Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se há — e, havendo, qual seria — um gentílico para o Oriente Médio (ou Médio Oriente, na norma lusitana).

Os gentílicos 'mediooriental' e 'medioriental' são usados na língua espanhola.

Pergunto-me se em português é possível usar algo semelhante, como 'médio-oriental'.

Desde já, agradeço a atenção. Abraços.

Resposta:

É possível empregar médio-oriental, que é adjetivo correto e está dicionarizado (cf. Infopédia, Priberam e Dicionário Houaiss).

Note-se, porém, que é forma pouco usada, observando a tendência para, em seu lgar, se usar a expressão «do Médio Oriente» ou «do Oriente Médio». Com efeito, uma pesquisa na secção histórica do Corpus do Português, de Mark Davies, revela que «do Médio Oriente» conta 47 ocorrências, enquanto médio-oriental prima pela ausência.

Pergunta:

Reparei que em Lisboa existe o Museu da Eletricidade, e no Funchal o Museu de Eletricidade.

Qual é o correto?

Resposta:

As duas expressões estão corretas, mas, entre elas há uma (pequena) diferença de ordem semântica.

Associando a museu a expressão «da eletricidade», sugere-se que se trata de um museu dedicado – que pertence – a um tema tomado globalmente, neste caso, um fenómeno e uma área de atividade bem identificados referencialmente e que se denominam eletricidade.

Com a expressão «museu de eletricidade», em que «eletricidade» ocorre sem artigo definido, designa-se um tipo de museu, por oposição a um museu «de história» ou a um museu «de música». Na ausência de artigo definido, os sintagmas «de eletricidade», «de história», «de música» e outros funcionam como sintagmas preposicionais classificadores, isto é, como expressões introduzidas por preposição, cujo complemento nominal (eletricidade, história, música) «não tem qualquer valor referencial», pois «representa semanticamente um tipo» (Gramática do Português, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020, p. 1067).

Pergunta:

Estava a escutar uma música da Dona Agrestina, mazuca e tudo mais, e notei que numa parte o cantor diz «tu sois preguiçosa».

É possivel que no Nordeste tenha existido, seja lá por quanto tempo, o pronome vós que os estudiosos dizem já não ter vindo ao Brasil (e sim o vosmecê e variáveis)?

Ou terão vindo para o Nordeste portugueses que já confundiam a conjugação da segunda pessoa do plural com a da segunda do singular?

Há outros exemplos desse fenômeno ou é só esse caso do verbo ser (sois)?

Resposta:

Não foi aqui possível achar informação sobre o caso de mistura de formas do singular e plural da 2.ª pessoa.

Talvez o caso apresentado resulte de desconhecimento do uso de tais formas, levando a associá-las indevidamente. Também é plausível – não se conseguiu aqui confirmar – que a associação de formas de tu com formas de vós possa ocorrer só em certos contextos (rimas, canções), para sugerir, por exemplo, certa solenidade ou que, pelo contrário, seja fenómeno mais sistemático. Note-se, porém, que, em Portugal, esta associação não está documentada.

A resposta fica, portanto, em aberto, ficando a pergunta como atestação da ocorrência dessa mistura de pronomes e conjugação verbal no nordeste brasileiro.

Pergunta:

«Não vi o Miguel.»

Na frase em apreço, não, de acordo com a Nomenclatura Gramatical Portuguesa (NGP) é complemento circunstancial de negação?

Afinal, existe essa nomenclatura na NGP? E de acordo com o Dicionário Terminológico?

Obrigado!

Resposta:

O advérbio não não constitui complemento circunstancial no quadro da Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967 (NGP). É apenas um advérbio de negação a que a NGP não dá função sintática especial.

Quanto ao Dicionário Terminológico, também não se trata de um modificador, mas, sim, de um marcador da polaridade da frase (afirmativa/negativa).

Pergunta:

Gostava de saber o que é na verdade um complemento determinativo.

 

Resposta:

O termo «complemento determinativo» faz parte da Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967 (NGP) e é referente a qualquer estrutura introduzida pela preposição de depois de um substantivo (ou nome, em terminologia mais recente).

Isto mesmo se confirma, por exemplo, numa gramática publicada em Portugal quando ainda vigorava a NGP (mantém-se a ortografia do original):

«O substantivo ligado a outro substantivo pela preposição d", para designar posse, parentesco ou o objeto de uma acção ou sentimento, denomina-se complemento determinativo:

Edifício do Estado

Livro de poesia

Amor do trabalho

Vinho do Dão

Causa da fuga»

(J. M. Nunes de Figueiredo e A. Gomes Ferreira, Compêndio de Gramática Portuguesa, Porto Editora/Livraria Arnado/Empr. Lit. Fluminense, 1976, p. 67)

Tendo a NGP deixado de vigorar em Portugal há praticamente duas décadas, observa-se que, no quadro do Dicionário Terminológico, os antigos complementos determinativos correspondem hoje a duas estruturas diferentes: os complementos do nome e os modificadores restritivos do nome (ver Textos Relacionados).