Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Nas áreas de engenharia de som e produção áudio é utilizado o termo monição com o significado de «monitorização»/«controlo» (por exemplo, «coluna de/para monição»).

Gostaria de saber até que ponto este termo está já estabelecido em português europeu nesta área e também qualquer informação que possam ter sobre a sua origem.

Muito obrigado.

Resposta:

O termo monição tem uso em Portugal e é aceitável, pelo menos, como termo da gíria técnica e comercial.

Os resultados de consultas no Google sugerem que o termo monição está em circulação em Portugal, havendo várias ocorrências da palavra em páginas relacionadas com empresas que aparentemente são portuguesas e desenvolvem atividade na comercialização dos equipamentos de som. Também ocorre em glossários da referida área técnica1:

(1) «Monição (áudio) – sistema de altifalantes ou de auscultadores utilizados para escutar e julgar a qualidade sonora durante os processos de captação, mistura ou masterização.» (Rui André Martins Espada, Relatório de Estágio. Produção Áudio para Audiovisuais e Multimédia, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 2021).)

(2) «Num cenário ao vivo, o termo monição refere-se a colunas utilizadas para disponibilizar uma referência da energia sonora em palco, diretamente para o artista (). (Ivo José M. S. Rodrigues de Melo, Produção Áudio em Espetáculos ao vivo: Metodologia e Recursos face à Diversidade Artística, tese de mestrado, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, p. 20)

Aceita-se, portanto, no domínio de especialidade onde ocorre, mas parece termo de correção discutível noutros contextos, porque monição já tem uso na linguagem eclesiástica como «aviso judicial que o bispo faz antes de decret...

Pergunta:

Estava procurando saber se é mais correto escrever "mediterrânico" ou "mediterrâneo" quando nos referimos ao clima ou à dieta característicos das margens do mar Mediterrâneo ou dos países mediterrânicos. [...]

Talvez a influência do espanhol se esteja a fazer sentir. No manual de Geografia do 7.º ano da Areal, vem «clima mediterrâneo». Apesar de os dois termos poderem ser usados em português, a mim soa-me melhor «dieta mediterrânica» e «clima mediterrânico» do que «dieta mediterrânea» e «clima mediterrâneo». Gostaria de saber se há razão para usar um dos termos em vez do outro.

Agradeço antecipadamente a vossa resposta e agradeço o vosso precioso trabalho neste site, ao qual recorro sempre que tenho dúvidas sobre o uso do português.

Resposta:

As duas formas adjetivais estão corretas.

É possível que haja alguma interferência estrangeira (como o consulente sugere, mas que não é aqui possível confirmar) favorecedora da ativação da forma adjetival mediterrâneo, cuja configuração, no entanto, permite compreender por que razão mediterrânico tem uso recorrente. Na verdade, a forma sufixada em -ico permite indicar com clareza o adjetivo relacional que denota «aquilo que é do Mediterrâneo», enquanto mediterrâneo o faz de forma ambígua, pois entende-se não só como «(o que é) relativo ao Mediterrâneo» mas também como «(o que é) relativo ao que se situa entre terras, no interior», confundindo-se com o nome próprio Mediterrâneo.

Disto mesmo dá conta uma consideração feita num artigo de A folha, boletim dos serviços de tradução do português na União Europeia:

«O caso do espanhol (ou castelhano) parece-me paradigmático: se o tomo como referência quando estabelece uma diferenciação (vantajosa, para mim) entre o sinónimo de why (por qué) e o sinónimo de because (porque), por outro lado não me sinto nada tentado a segui-lo quando amalgama numa só palavra (mediterráneo) o substantivo que em português tem a forma de Mediterrâneo e o adjectivo que nós exprimimos por mediterrânico.» (Jorge Madeira Mendes, "Por que porque (conclusão)", A folha, verão de 2006, p. 8)

Esta posição parece, portanto, encontrar um argumento de peso, quando defende a opção por mediterrânico, para não confundir o que é conc...

Pergunta:

Gostaria de conhecer a origem da expressão «como o "que"» (ou «como que», não sei ao certo já que o som das duas expressões é muito próximo), muito utilizada em algumas regiões do Brasil no final de algumas frases.

Exemplos: «O chá está quente como o "que"»; «Corri como o "que"».

Obrigado.

Resposta:

Recomenda-se «como o quê», com acento circunflexo sobre o e, para marcar a sua tonicidade em final de frase, de acordo com indicação do Dicionário Houaiss.

No referido dicionário, não se encontra «como o quê», mas regista-se uma variante, a locução «como quê»1, com duas aceções:

(1) «de modo incomparável, muito bem»: «ela declama como quê»;

(2) «em grande quantidade ou intensidade»: «ele fala como quê», «comeu-se como quê», «forte como quê».

Trata-se, portanto, de uma expressão que marca intensidade, como forma «de expressar valores elevados de uma escala a que está associado o significado de adjetivos», conforme se aponta na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020, p. 2162), onde se elencam vários exemplos entre os quais se incluem construções introduzidas por como («rápido como um relâmpago», «feliz como nunca/ninguém»).

Não foi aqui possível dispor de informação sobre a origem de «como o quê», mas a sua configuração parece uma simplificação de expressões como «como não sei o quê». Em Portugal, é corrente dizer-se «como sei lá o quê» (ou «como sei lá eu»), no sentido de «muito» ou «muitíssimo»: «O chá está quente como sei lá o quê!»; «Corri (como) sei lá o quê!» (neste último caso, é possível omitir como).

 

1 É possível tratar «como o quê» e «como quê» como variantes concorrentes, tal como acontece com os interrogativos o que e que e as formas tónicas correspondentes o quê e quê. No 

Pergunta:

Tenho uma dúvida relativa à acentuação ou não da palavra "paraparésia".

"Paraparesia" ou "paraparésia"?

Hemiparesia não se acentua.

Grata por toda a colaboração.

Resposta:

Tendo em conta que se diz e escreve paresia1, com o significado de «perda parcial de motricidade» (Dicionário Houaiss), a forma correta é paraparesia. Esta palavra está registada no Dicionário de Termos Médicos da Infopédia, com a definição de «paresia ligeira, em especial, dos membros inferiores».

Paresia provém do grego páresis, eōs, «ação de deixar ir, de relaxar, donde relaxamento, enfraquecimento» (Hoauiss). Paraparesia é um derivado formado pelo prefixo para-, que neste caso marca a noção de «semelhança», e o nome paresia.

 

1 Ver Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (Instituto Internacional da Língua Portuguesa) e Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves.

Pergunta:

Não consigo encontrar, em parte nenhuma, a origem do nome Balcão.

Balcão pode ser usado como: nome intermédio ou sobrenome, sendo a sua utilização como nome intermédio o mais frequente.

Alguns dizem que provém duma alcunha, que depois se tornou nome, mas não consigo encontrar a resposta.

Espero que o Ciberdúvidas me possa ajudar.

Resposta:

É possível que se trate de um apelido com origem numa alcunha criada por motivos obscuros, a partir de balcão («varanda», «móvel para definir uma área de atendimento no comércio e nos serviços»)1.

Contudo, pode também ter origem no topónimo Balcão, que se encontra em alguns pontos do centro e do norte de Portugal2 e que parece provir de «vale cão», em que cão é um homónimo de cão (animal) mas com o  significado de «branco», o que se entende, considerando a relação de cão com cãs, «cabelos branco», e encanecer, «ficar branco». «Vale cão» significaria, portanto, «vale branco», no sentido de «bem iluminado»3.

A verdade é que não se dispõe de informação segura sobre a origem de Balcão quer como apelido quer como topónimo.

 

1 Ver José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, 2003. Recorde-se que, em Portugal, apelido e alcunha são, no Brasil, o mesmo que sobrenome e apelido, respetivamente.

2 Ibidem.

3 A. Almeida Fernandes, Toponímia Portuguesa. Exame a um Dicionário, 1999.