Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Parabéns pelo vosso trabalho. Por que razão data-limite leva hífen? O hífen será obrigatório ou facultativo? Na frase «Qual é a data limite para a inscrição?» a palavra limite não funciona (isoladamente) como adjetivo de data? Ou necessita do hífen? Se necessitar, então «número limite», «convidados limite», «vagas limite», «faltas limite» também deveriam ter hífen. Muito obrigado pelo esclarecimento.

Resposta:

Agradece-se o apreço pelo trabalho aqui desenvolvido.

Quanto ao hífen, não é este estritamente obrigatório, mas em palavras compostas como data-limite, formadas por dois nomes, é fortemente recomendado, mesmo que o segundo nome funcione adjetivalmente.

É um princípio que se encontra expresso, por exemplo, no dicionário da Academia das Ciências. No Dicionário Priberam, chega mesmo a considerar-se que limite, em compostos, funciona como adjetivo e que ser ligado por hífen ao nome precedente:

Quanto aos compostos mencionados na pergunta, são de facto legítimos e recomenda-se o hífen. É de observar, porém, que, se número-limite se aceita sem reservas, os compostos em que entram plurais – convidados, vagas e faltas – podem resultar mais discutíveis, por não configurarem ou subentenderem uma série como número ou data.  Pelo contrário, expressões como «limite de convidados/vagas/faltas» ou «número-limite de convidados/vagas/faltas» revelam-se menos problemáticas.

Com muita ilusão, «por supuesto»
Um castelhanismo recente?

«Obviamente que vamos a Alvalade com muita ilusão, com muita ambição, para conseguirmos trazer pontos» – declarou o treinador do Nacional da Madeira antes de a sua equipa ser derrotada pelo Sporting em 25/01/2025, em jogo a contar para a Liga Portugal. O consultor Carlos Rocha comenta este uso de ilusão, que acusa um otimismo só justificável em espanhol.

Pergunta:

Quando e por que as palavras crente e evangélico(a) passaram a ser sinônimos exclusivos de protestante?

Vamos ver que:

1) Crente = quem crê em Deus e/ou em qualquer outro elemento

2) Evangélico(a) = quem lê e/ou segue o Evangelho

Pois em meu entendimento (que é algo bastante limitado...), católico(a) e espírita também são crentes e evangélicos(as)... ou será que não?

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

O significado básico do nome e adjetivo crente, «pessoa que acredita; pessoa que acredita numa religião» (cf. Infopédia), não faz desta palavra um sinónimo de evangélico. Contudo, os dicionários elaborados no Brasil assinalam que, neste país, a palavra crente pode ocorrer na aceção de «protestante das igrejas renovadas» (Dicionário UNESP, 2004) e até, com intenção pejorativa, a pessoa «se filia a uma religião protestante, especialmente as mais populares, apresentando-se austero e dispondo-se geralmente a fazer proselitismo» (Dicionário Houaiss, 2001).

Também se entende crente como o mesmo que «crente muçulmano, seguidor dos fundamentos do islamismo» (cf. Infopédia e Dicionário Houaiss).

Contudo, voltando ao seu significado típico, verifica-se que crente funciona frequentemente como termo genérico (hiperónimo) de outros termos usados em sentido mais específico, como sejam, cristãos, muçulmanos ou budistas, para mencionar os crentes do cristianismo, do islamismo e do budismo, respetivamente. Crente pode, assim, denotar qualque...

Pergunta:

O site Origem da Palavra determina que os termos capacitismo, deterrência e especialismo não pertencem ao vocabulário ortográfico do idioma português, e eu quero saber se vocês (do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa) conseguem classificar essas três palavras como neologismos, estrangeirismos ou outra categoria do gênero.

Por favor, muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

Das três palavras em questão, duas – capacitismo e especialismo – parecem ter curso em português há pouco tempo, ao contrário de deterrência, que estará atestada há mais de 50 anos.

Capacitismo, «discriminação ou preconceito contra pessoas com deficiência» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa), constitui um decalque do inglês ableism, que significa «discriminação contra pessoas com deficiência» (cf. dicionário de inglês da Infopédia). A palavra portuguesa é motivada pela tradução de able por capaz, daqui permitindo formar por derivação capacitismo, tal como de able se forma ableism. Edições do Dicionário Houaiss atestam este termo só a partir de 2019, o que indica tratar-se de neologismo.

No segundo caso, deterrência, que significa «ação de dissuasão quer militar quer, por extensão semântica, de qualquer outra entidade» (cf. Dicionário Houaiss) e tem registos desde 1965, é simples adaptação de uma palavra inglesa que já tem origem e configuração românicas, deterrence, «força de dissuasão» (cf. dicionário de inglês da Infopédia).

Finalmente, o termo especialismo já tem registo dicionarístico, com as aceções «estudo ou dedicação a determinada especialidade (ramo específico...

Pergunta:

Apresento aqui uma resposta à pergunta sobre curibeca.

Em Angola, e ainda no período colonial, esta palavra designava a maçonaria. Já naquela altura se grafava kuribeka, e realço a letra k. Claro que oficialmente não existia a letra k, mas como a palavra tem origem banta não era estranho.

O mesmo se passava com jinguba («amendoim»), com origem no idioma kimbundu e que, pelas regras portuguesas se escreve ginguba.Qual a língua nacional angolana que deu origem ao nome eu não tenho a certeza. Tanto pode ser o umbundu como o kimbundu.

Eu sou do sudoeste de Angola onde o umbundu tem alguma influência. Sendo assim é possível a sua origem no umbundu?

Agora, e com toda a certeza, estamos perante uma palavra de origem banta e não de origem incerta, duvidosa ou obscura. Os etimologistas devem confessar a sua ignorância quando não sabem. Este tipo de atitude soa, um tanto a racismo etimológico.

Obrigado!

Resposta:

Agradece-se o comentário do consulente.

As notas etimológicas dos dicionários que as incluem (p. ex., Dicionário Houaiss) apresentam a expressão «origem obscura» associada a uma palavra cuja etimologia precisa não é possível determinar.

É muito raro que nessas notas etimológicas se refira a família linguística onde uma dada palavra se enquadra. Por exemplo, não se costuma indicar que uma palavra vem da família indo-europeia, afro-asiática ou banta. O que é frequente é indicar uma língua ou um ramo linguístico mais concretos.

Quando não há dados que permitam identificar o ramo concreto ou a língua exata donde provém o étimo da palavra, emprega-se a expressão «origem obscura», que se aplica a palavras usadas por qualquer grupo étnico, desde as populações de África aos povos da Europa, passando pela Ásia, Américas e Oceânia.