Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor
Uma <i>assentada</i> pelo clima
Neologia e aeroportos

O dia 1 de junho de 2025 foi com certeza assinalado no Porto por mil e um acontecimentos e incidentes, mas um deles proporcionou a ocasião para um uso que parece relativamente recente: o de uma assentada, protesto que o grupo ativista Climáximo organizou  junto do Aeroporto Sá Carneiro, nos arredores da Cidade Invicta. O consultor Carlos Rocha comenta este neologismo semântico.

Pergunta:

«Quase todos os camaradas da sua classe passaram o exame na escola Morais, em...»

«Passaram o exame» ou «passaram no exame»?

Resposta:

A forma mais correta é «passar no exame», conforme se regista no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa:

«ir a exame; apresentar-se a exame; fazer exame; preparar-se para o exame; estudar para o exame; ficar aprovado no exame; ficar reprovado no exame; passar no exame; chumbar no exame»

A frase mais correta é, portanto, «Quase todos os camaradas da sua classe passaram no exame na escola Morais».

No entanto, não é de todo impossível dizer ou escrever «passar o exame», assim como se diz e escreve «passar a ponte».

Pergunta:

Em inglês a transcrição fonética de cake é [keɪk].

Pergunto qual o motivo por que a transcrição não é realizada do mesmo modo no caso do português europeu, nos casos em que fonologicamente as palavras são monossilábicas como ou transcritas, ao invés, como dissílabos, incluindo um schwa que não é pronunciado: [ɫɐjtɨ].

Resposta:

Em inglês, cake não tem, fonologicamente, tem nenhuma vogal final, mas, em português europeu padrão, considera-se que existe um segmento fonológico, que pode ter realização fonética, como acontece em certos dialetos meridionais: leite, [ɫeti] (soa "leti").

No português do Brasil e nas variedade africanas a vogal também tem realização fonética.

Pergunta:

Já tenho surpreendido a palavra foodie aqui e ali, sobretudo em revistas de tendências do tipo Time Out...

Por exemplo, na revista Activa, em 23/05/2025, lê-se:

«Falámos com a fundadora do Lisbon Insiders, um guia e uma plataforma para foodies e epicuristas [...].»

O anglicismo foodie já foi aportuguesado?

Resposta:

Não há aportuguesamento do anglicismo foodie, mas este já tem registo, por exemplo, no dicionário de língua portuguesa da Infopédia.

Significa «apreciador de comida, gastrónomo, gourmet» (ibidem).

Pergunta:

Estou a corrigir testes, e os meus alunos estão a utilizar o termo "sofrência" em vez de sofrimento. Este termo existe ou foi "copiado"/ ouvido por eles em alguma rede social na boca de algum influencer?!

Resposta:

A forma sofrência, que, pelo que a consulente conta, também está a ser usado em Portugal, é muito provavelmente um brasileirismo do registo informal, com um significado que pode não ser exatamente o mesmo de sofrimento.

Na origem, sofrência seria uma variante de sofrença, sinónimo de sofrimento (cf. Dicionário Michaelis). Contudo, no Brasil, a forma sofrência ganhou mais recentemente um significado especial: «sofrimento causado por desgosto amoroso, ciúme, etc.»(cf. Infopédia). A palavra entrou também em circulação porque está associada a um género musical popular, em que o estilo e as letras exploram exatamente os temas do sofrimento amoroso.

É, portanto, bem provável que o uso de sofrência entre falantes de Portugal se deva ao contacto com conteúdos audiovisuais nos quais se falam variedades populares do português do Brasil.