Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Agora que o "keffiyeh" está na moda, fiquei surpreendido por não existir nome em português para o famigerado lenço! Em artigo sobre a matéria, de 2023/12/19, publicado em jornal de referência, vejo que apenas é usado o termo "keffiyeh", exatamente como registado no Dicionário da Academia! Já quanto à "burca", em artigo do mesmo jornal, de 2022/05/07, é usado o nome "burqa"! Não sei qual o critério usado pelo jornal na escolha do termo “burqa”, em detrimento de “burca”! Na verdade, o nome "burca" não aparece no Dicionário da Academia online, mas aparece em muitos outros! Será que não existe forma portuguesa ou aportuguesada para o dito lenço?!

Resposta:

Ao contrário de burca, que é aportuguesamento estável, com registos com, pelo menos, duas décadas, para keffiyeh não há adaptação portuguesa consensual nem de uso frequente.

Por enquanto, não existem critérios uniformes para a transcrição e transliteração do árabe (e dos seus dialetos) para o português. Sabendo que a palavra se escreve كُوفِيَّة, cuja romanização é kūfiyya (cf, ISO 233-2), um aportuguesamento possível e coerente seria "cúfia". Considerando a forma internacional, de pendor anglicista, keffiyeh, pode propor-se a forma "quefié", que já conta ocorrências no português do Brasil.

Em todo o caso, repita-se, não é palavra que tenha aportuguesamento estável e reconhecido.

Pergunta:

Qual a origem da palavra mana (com o sentido de «energia mística e mágica»)?

Conheço essa palavra de um jogo de cartas colecionáveis:

Magic: The Gathering!

Muitíssimo obrigado!

Resposta:

Segundo o Dicionário Houaiss, a palavra mana é ou era usada pelos povos melanésios, no sentido de «força ou poder impessoal e sobrenatural que pode estar concentrado em objetos ou pessoas e que pode ser herdado, adquirido ou conferido». É palavra que provém de vocábulo polinésio mana, com o mesmo significado.

Convém não confundir mana com mana, feminino de mano, hipocorístico (termo carinhoso) de irmão, nem com maná, «alimento delicioso», do latim manna, no sentido de 'alimento', adaptação do «grego mánna e este do aramaico mannā (derivado de(o) hebraico n)» (ibidem).

Pergunta:

Tenho um comentário e uma dúvida.

Em todos os dicionários da língua portuguesa, a palavra mourão não aparece associada a qualquer fortificação medieval. Contudo, na pedra de armas da minha família, a representação de Mourão é associada a uma torre com uma porta central no rés do chão, duas seteiras no andar superior e ameias no terceiro andar.

Fiquei estupefacta, quando num estudo observei a porta da cidade de Hastingues, muito semelhante ao símbolo referido. Ora, da tradução de mourão em português para latim e francês, o significado é respetivamente saepes [«vedação, cerca»], e clôture ou la barrière [com o mesmo significado].

Resposta:

Agradece-se à consulente a informação que entendeu partilhar.

É plausível filiar Mourão no substantivo comum mourão, «estaca (numa cerca), esteio, marco».

Reproduz-se o comentário registado sobre o apelido Mourão no Dicionário das Famílias Portuguesas, de D. Luiz de Lancastre e Távora (Quetzal, 2010):

«Mourão – Este nome tanto pode constituir um patronímico, dado ter existido como nome próprio, como derivar de alcunha ou ter raízes toponímicas. No século XIV existiu um D. Mourão Pires, que foi pai de um D. Gonçalo Mourão, que parece ter tido descendência em que este nome se fixou como apelido. As armas usadas por esta família são: de verde, duas faixas de ouro e um castelo de prata em abismo. Timbre: o castelo do escudo.»

Se o apelido tem origem toponímica, é preciso notar que a vila de Mourão não é a única localidade portuguesa a exibir nome com esta forma (consultar o visualizador CIGeoE-SIG). Além disso, os topónimos com a forma Mourão podem não ter todos a mesma etimologia e motivação.

Em suma, do ponto de vista histórico-linguístico não é possível confirmar aqui a relação exclusiva do apelido Mourão com o substantivo comum mourão.

A palavra <i>lacração</i>
A propósito de uma campanha eleitoral no Brasil

Na campanha para as eleições municipais que se disputam no Brasil, circulam várias palavras cujo significado pode não ser óbvio para quem em Portugal acompanha os acontecimentos pelos media brasileiros. O vocábulo lacração, que fez parte da capa da revista Veja em 23/08/2024, é o caso comentado pelo consultor Carlos Rocha.

 

 

Pergunta:

Tenho uma dúvida perante o determinante/artigo da palavra shop.

A palavra em inglês é do género masculino[*], o que me levaria a usar o determinante o com a mesma, ou seja, «no shop, num shop, o shop, etc..

Todavia, ouvi falar que a palavra shop em Portugal é sempre acompanhada do determinante a – «na shop, numa shop, a shop, etc.

Acho que neste caso o determinante a está relacionado com a tradução da palavra shop para loja, mas não funciona assim em outros idiomas.

Será que alguém me conseguiria comprovar qual o género correto da palavra shop em Portugal?

Agradeço desde já!

 

[* É estranho dizer-se que o nome shop tem o género masculino em inglês, porque nesta língua não há marcação morfológica de género, nem mesmo nos determinantes associados aos nomes. As sequências «the shop» e «a shop» não exibem, portanto, marcas que levem a atribuir-lhes o género masculino; na verdade, se, numa frase, forem retomadas por um pronome, este será o pronome it, que é neutro: «There was one chip shop and it was packed with diners» («Havia uma loja de batatas fritas e estava cheia de clientes»).]

Resposta:

Tendo em conta os casos de sex shop e smart shop, que em português se usam com o género feminino – «a sex/smart shop» –, à palavra shop é, portanto, atribuído o género feminino.

Constitui exceção o composto workshop, anglicismo que tem oscilações no uso e ao qual os dicionários atribuem o género masculino – «o workshop» –, certamente porque a palavra alude a um curso ou a um seminário. Mas há quem use workshop no feminino – «vamos organizar uma workshop» – pensando em oficina, o que também se aceita, muito embora seja preferível empregar a palavra em que se pensa.