Em Portugal, o mês de outubro de 2025 começou cheio de situações e acontecimentos preocupantes que, nas notícias, reforçaram a impressão (ou como agora sói dizer-se, «a perceção») de que, do país ao planeta, se vivem tempos agitados. Também se percebeu que no que se lê e escreve se dão os erros linguísticos de sempre e outros que são novidades também merecedoras de comentários mais ou menos reprovadores, como os três que se seguem:
1. Contato vs. contacto
Sobre o caso da flotilha humanitária que se dirigia para Gaza, lia-se no oráculo de uma notícia da RTP 3 (30/09/2025): «P[rimeiro] M[inistro] não especifica se há contatos com Israel». Não é que a forma contato seja erro, pois tem uso correto no Brasil, mas, em Portugal, a palavra soa com [k] e, portanto, deve escrever-se contacto.
2. Ainda "dezenas de milhar"
Num artigo de opinião do jornal Expresso ("Imigração: o dilema fatal do PS", 02/10/2025) fala-se das questões à volta da imigração e três vezes se emprega a forma errónea "centenas de milhar":
(1) «a entrada sem limites e sem qualquer controle policial de centenas de milhar de pessoas vindas de muitos lados...»
(2) «Centenas de milhar de socialistas, que seguem os ensinamentos de Soares...»
(3) «... as centenas de milhar de dislikes ou unlikes do povo comum...»
A forma mais correta continua a ser «centenas de milhares», com milhar no plural. Há quem aceite "centenas de milhar" e "dezenas de milhar" em certos contextos, mas a forma indiscutivelmente correta é com milhares, como, aliás, já defendia Rodrigo da Sá Nogueira, no seu Dicionário de Erros e Problemas de Linguagem (1989): «Diga-se "dezenas de milhares". Pela mesma razão não se diz "comprei dezenas de laranja, limão, de livro, etc.", mas sim "dezenas de laranjas, de limões, de livro".» Antes de Sá Nogueira, outros autores tinham emitido o mesmo parecer – por exemplo, Vasco Botelho de Amaral, no Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português (1958): "Dezenas de milhares – É mais correcto do que dezenas de milhar. Do mesmo modo, dizemos todos – dezenas de pessoas, e não de pessoas. E dez milhares, e não dez milhar [...]» (mantém-se a ortografia do original).
3. Catenária, e não "cantenária"
No decurso da manifestação pró-Palestina realizada em Lisboa na tarde de 04/10/2025, registaram-se confrontos com a polícia, que culminaram num acidente grave, que a CNN relatou da seguinte maneira:
(4) «Os manifestantes invadiram a estação do Rossio, alguns barricaram-se nos comboios. Um deles, com 18 anos, acabou por ser eletrocutado quando tentava subir para uma carruagem e tocou na "cantenária".»
A frase, clara e objetiva, contém um erro sem discussão: para designar o «cabo metálico condutor de eletricidade, suspenso nas vias-férreas eletrificadas» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa), a forma correta é mesmo catenária, do «latim catenarĭa, feminino substantivado do adjetivo latino catenarĭus, a, um no sentido de 'preso com cadeia, acorrentado (como cão)'» (Dicionário Houaiss). Trata-se de um derivado da palavra também latina catēna, ae, que deu origem a cadeia (ibidem). Nada que ver com canto, portanto.