Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
124K

Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

É correto dizer «tirei as fotografias desde um autocarro»?

Ou seja: as fotografias foram tiradas por mim enquanto eu estava num autocarro.

Muito obrigada.

Resposta:

No caso em apreço deve usar-se a preposição de.

A preposição desde pode ser usada para indicar o «ponto (no tempo ou no espaço) em que se inicia uma ação; processo ou estado de coisas» (Dicionário da Língua Portuguesa):

(1) «A estrada está cortada desde o início da rua.»

Também pode ocorrer para indicar o «ponto de partida numa escala graduada» (Idem):

(2) «Todos podem participar desde os 5 anos.»

Desde surge igualmente em construções nas quais se combina com as preposições a ou até:

(3) «Os meninos com idades desde os 5 aos 8 anos vêm por aqui.»

(4) «Desde as primeiras horas da amanhã até ao final do dia, há sempre barulho.»

Por seu turno, a preposição de é usada para exprimir valores locativos, que indicam o lugar onde ou donde algo ocorreu. Esse é o valor presente na frase apresentada pela consulente, pelo que é se deve usar a preposição de:

(5) «Tirei as fotografias de um autocarro.»

Disponha sempre!

 

Cf. «Tirar uma fotografia» é erro?

 

Pergunta:

Qual da(s) opção(ões) está gramaticalmente correta?

1) Tenho instrumentos de que não sei o nome.

2) Tenho instrumentos cujo nome não sei.

3) Tenho instrumentos que não sei o nome.

Resposta:

As frases apresentadas em (1) e (2) são possíveis, ao passo que a que se transcreve em (3) está incorreta:

(1) «Tenho instrumentos de que não sei o nome.»

(2) «Tenho instrumentos cujo nome não sei.»

(3) «Tenho instrumentos que não sei o nome.»

Esta frase complexa resulta da junção de duas frases simples, a saber:

(4) «Tenho instrumentos. Não sei o nome dos instrumentos.»

Ora, o verbo saber rege a preposição de, pelo que a conversão de uma frase numa subordinada introduzida pelo pronome relativo que exige que a oração relativa seja introduzida por essa mesma preposição. Por essa razão, a frase (1) está correta ao passo que a (3) não é aceitável, uma vez que omite a preposição. 

Outra possibilidade de converter as frases simples numa complexa passa pela utilização do determinante relativo cujo, que associa à subordinada uma interpretação possessiva. Este relativo tem um antecedente que corresponde à entidade possuidora, situação que o leva a ser considerado como equivalente de «do qual» ou «de que»1.

Por esta razão, se pode afirmar que as frases (1) e (2) têm um valor equivalente, embora não sejam iguais do ponto de vista sintático.

Refira-se ainda que muitos falantes, em situações em que o pronome relativo à antecedido de preposição, preferem o recurso a pronomes fortes, pelo que, para estes, será preferível a frase apresentada em (5):

(5) «Tenho instrumentos dos quais não sei o nome.»

Disponha sempre!

 

1. Para mais informações, cf. Veloso in Raposo et al.,

A flexão de <i>verde-musgo</i> no plural
A concordância com adjetivos compostos de cor

A flexão no plural do adjetivo composto verde-musgo dá matéria para o apontamento da professora Carla Marques (colaboração no programa Páginas de Português, na Antena 2). 

Pergunta:

Gostaria de perceber a diferença e função das expressões que usam o verbo estar e um substantivo ao invés da conjugação perifrástica, como nos seguintes exemplos:

– «Estar à procura» e «estar a procurar»;

– «Estar à espreita» e «estar a espreitar»;

– «Estar à espera» e «estar a esperar»;

– (...)

Há alguma justificação para a origem destas expressões?

Resposta:

As construções apresentadas são equivalentes entre si.

Numa situação, apresenta-se um complexo verbal que integra um verbo auxiliar estar que acompanha um verbo principal («estar a procurar»). Neste caso, a construção expressa um valor de situação que está a decorrer, que se encontra em progresso.

Noutra situação, é usado o verbo estar acompanhado de um sintagma preposicional introduzido pela preposição a. O verbo estar expressa um estado do sujeito, que é descrito no seu decurso.

Não identificámos particularidades dignas de registo na origem destas expressões.

Disponha sempre!

Pergunta:

Aqui vão duas questões:

1) Na frase «São momentos visualmente curiosos, em particular pelo modo como conciliam as paisagens naturais com os efeitos digitais», como se classifica a oração subordinada e que função sintática desempenha?

2) Na frase «A amada do poeta é elogiada de um modo admirável», que função sintática desempenha o constituinte «admirável»?

Desde já agradecida, Maria Conceição

Resposta:

Poderemos analisar a oração destacada na frase transcrita como uma oração subordinada relativa:

(1) «São momentos visualmente curiosos, em particular pelo modo como conciliam as paisagens naturais com os efeitos digitais

Trata-se de uma oração relativa introduzida por como, que tem como antecedente o nome modo. Estas orações ocorrem apenas com antecedentes nominais que expressem um valor genérico, como modo, maneira ou forma1.

Na frase transcrita em (2), o adjetivo admirável tem a função de modificador restritivo do nome modo:

(2) «A amada do poeta é elogiada de um modo admirável.»

Refira-se ainda que a palavra modo pertence, nas duas frases apresentadas, à classe do nome.

Acrescente-se, por fim, que o relativo como não está previsto no Dicionário Terminológico, pelo que será de assumir a posição de que este relativo e as respetivas relativas não serão tratados no ensino não superior.

Disponha sempre!

 

1. Veloso in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 2105-2107.