Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Consultando algumas referências sobre infinitivo e verbos causativos/sensitivos, percebo que os exemplos quase sempre envolvem o infinitivo como objeto direto.

Entretanto, deparei-me com o caso do infinitivo como objeto indireto, relativamente comum quando se utiliza o verbo proibir (que suponho ser também um verbo causativo). Deixo um exemplo sobre a questão:

«Ele proibiu os alunos de fazerem algazarra» X «Ele proibiu os alunos de fazer algazarra.»

Fazendo uma pesquisa em textos, me parece ser mais comum a flexão nesses casos. No entanto, gostaria de perguntar qual dos dois seria preferível segundo a norma culta. Se puder aproveitar a oportunidade, gostaria ainda de pedir uma orientação quanto à forma mais correta de lidar com uma variante da questão, isto é, quando substantivo for substituído pelo pronome:

«Ele proibiu-os de fazerem algazarra» X «Ele proibiu-os de fazer algazarra.»

Agradeço desde já e parabenizo o sítio pela excelência.

Resposta:

O verbo proibir é um verbo transitivo com valor diretivo. São exemplos deste tipo de verbo os seguintes:

(1) aconselhar, ajudar, animar, convencer, convidar, incentivar, obrigar;

(2) impedir, proibir

Os verbos do grupo (1) regem a preposição a e os do grupo (2) a preposição de. Estes verbos caracterizam-se por selecionarem um sujeito e um complemento direto, cujo constituinte controla o sujeito da oração subordinada introduzida por a ou por de1:

(3) «O professor ensinou os alunos a ler expressivamente um texto.»

(4) «O professor proibiu os alunos de usar telemóvel.»

Nestas orações infinitivas, o infinitivo simples (como em (3) e (4)) é a opção preferencial. Todavia, o infinitivo flexionado é também uma opção aceitável. Neste caso, o infinitivo concorda com o constituinte que controla o sujeito2:

(5) «O professor ensinou-te a leres expressivamente um texto.»

(6) «O professor ensinou-nos a lermos expressivamente um texto.»

(7) «O professor ensinou-os a lerem expressivamente um texto.»

(8) «O professor proibiu-os de usarem telemóvel.»

Disponha sempre!

 

1. Barbosa e Raposo in  Raposo et al., Gramática do Português

O verbo
Um neologismo para a crise política em Portugal

«Funcionando como empréstimo, a palavra teria uma significação semelhante à que tem em francês: «Afundar voluntariamente um navio para apagar um incêndio ou para impedir que caia nas mãos do inimigo; pôr voluntariamente fim à atividade de uma empresa; agir de forma a destruir um projeto».» Um apontamento da professora Carla Marques sobre a possibilidade de aportuguesar o verbo saborder, cuja semântica se presta a descrever a crise política em Portugal desencadeada em abril de 2023, a partir do caso da companhia aérea TAP. A sugestão foi do jornalista português Eduardo Oliveira e Silva, na sua crónica do dia 2/05/2023, no Jornal i.  

Pergunta:

Como usar o adjetivo assertivo? Já vi muitas explicações, mas sempre fico com dúvidas.

Ex: «Para Maria, a arte é um percurso, não o resultado final de uma obra. Por isso, nada mais assertivo do que o tema da sua exposição…»

No caso, assertivo está correto na frase?

Ou só se pode dizer que uma pessoa é assertiva?

Ex: «João foi assertivo no debate.»

Grata.

Resposta:

O adjetivo assertivo pode ser usado nos contextos apresentados.

Este adjetivo surge em diversas situações. Por um lado, pode ter o valor de “que declara ou afirma algo” (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha]):

(1) «Esta frase é assertiva.»

Também pode ser usado, numa perspetiva de classificação de um ato ilocutório veiculado por uma frase:

(2) «Na frase está presente o ato ilocutório assertivo

Por fim, o adjetivo assertivo pode também ser usado num contexto em que significa «que expressa algo de maneira segura, com frontalidade, sem hesitações» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha]). Com este valor surgem expressões como:

(3) «uma pessoa assertiva»

(4) «um discurso assertivo»

(5) «um tema assertivo»

Disponha sempre!

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem relativamente à classificação do sujeito da seguinte frase:

«Está a acontecer um pouco por todo o lado, mas sobretudo em livros.»

A minha primeira resposta foi sujeito nulo indeterminado («algo está a acontecer»), mas surgiu depois a dúvida relativamente à possibilidade de poder tratar-se de um sujeito nulo subentendido.

A frase pertence ao texto cujo link disponibilizo [aqui].

Antecipadamente grata.

Resposta:

Trata-se de um sujeito nulo subentendido.

A frase apresentada surge no início do artigo de opinião, estabelecendo uma relação com a informação que surge na primeira entrada:

(1) «O autor está morto, pegaram no livro dele e alteraram frases e palavras de maneira a que o leitor não se sinta ofendido. Vivemos uma época em que para não ofender os leitores vivos, manipula-se a escrita dos autores mortos.

       Está a acontecer um pouco por todo o lado, mas sobretudo em livros.»

Verifica-se, neste caso, que o sujeito nulo da forma verbal está retoma contextualmente a informação presente na primeira entrada, pelo que se trata de um sujeito subentendido que se reconstrói por meio de um processo anafórico.

Disponha sempre!

Pergunta:

Numa situação em que estou a dificultar a passagem de outra pessoa devo dizer «Não consegues passar comigo aqui» ou «Não consegues passar com eu aqui»?

Eu preferiria a segunda, mas tenho vários amigos que discordam de mim.

Resposta:

A frase correta será a que se transcreve em (1):

(1) «Não consegues passar comigo aqui.»

A forma comigo corresponde à contração da preposição com com o pronome pessoal eu. Ora, quando os pronomes pessoais ocorrem como complemento de uma preposição, estes adotam, regra geral, a forma oblíqua (tónica). Diremos, assim, «por mim», «sem ti», «para si», «até nós», etc.

Se o pronome oblíquo for precedido da preposição com, usam-se as formas comigo, contigo, connosco, convosco.

Disponha sempre!