Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase «Brasília é a capital» e na frase «meu amigo é o padrinho»:

1) Qual o predicativo de cada frase?

2) Qual o critério para que eu saiba que o predicativo é permutado por o?

3) O pronome o equivale a qual pronome demonstrativo?

Agradece Evandro.

Resposta:

As questões colocadas pelo consulente constituem um tópico do tratamento das orações copulativas que assume grande complexidade, pelo que será necessário mobilizar alguns elementos de análise que vão além dos conteúdos tratados em contextos não universitários.

As frases apresentadas constituem um caso de orações copulativas identificadoras, que se caracterizam por «identificar um indivíduo como portador de uma propriedade individual» (cf. Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 703 e ss.). 

Este tipo de frase inclui dois sintagmas nominais (SN) no seu interior: 

(i) um SN com função de sujeito, que representa uma dada entidade;

(ii) um SN com função de predicativo do sujeito, que atribui uma propriedade a essa identidade.

Estas frases podem surgir na ordem canónica (SUJEITO + VERBO + PREDICATIVO DO SUJEITO) ou na ordem inversa (PREDICATIVO DO SUJEITO + VERBO + SUJEITO).

Para identificarmos as funções desempenhadas pelos constituintes da frase, poderemos usar o teste da clivagem que permite identificar a frase que se encontra na ordem canónica:

(i) teste da clivagem: este teste usa a construção SER…QUE para c...

Pergunta:

«Hoje ele é consultor de leitura rápida e memorização, e acredita que o número de livros que lemos é, SIM, importante.»

Gramaticalmente, o uso da vírgula para isolar o sim no meio de frases é obrigatório?

«Eu gosto, sim, de você.» Correto?

Grato!

Resposta:

A colocação da vírgula nas frases apresentadas está correta.

O advérbio sim pode surgir:

a) em início de frase: «Sim, a Rita comprou um livro.»

b) em final de frase: «A Rita comprou um livro, sim

c) entre o sujeito e o predicado: «A Rita, sim, comprou um livro.»

Pode também ocorrer a utilização do advérbio sim após o verbo («A Rita comprou, sim, um livro.»), numa construção em que se pretende enfatizar a situação descrita pelo próprio verbo.

Em qualquer dos contextos apresentados anteriormente, o advérbio sim tem uma posição periférica, pois não se trata de um elemento que possa surgir em posição integrada na frase (ao contrário, por exemplo, do advérbio não). Na oralidade, este comportamento sintático de sim é, por essa razão, sublinhado por uma pausa antes do seu aparecimento. Na escrita, a vírgula sublinha esta particularidade do advérbio sim com os seguintes usos:

i) quando sim surge em início de frase, é seguido de vírgula;

ii) quando sim surge no final de frase, é antecedido de vírgula;

iii) quando sim surge no interior da frase, a vírgula isola-o, sendo colocada antes e depo...

Pergunta:

1. O verbo acabar é pronominal? «Acabou a comida» ou «acabou-se»?

2. E o verbo cicatrizar? «A ferida cicatrizou» ou «... cicatrizou-se»?

Grato!

Resposta:

O verbo acabar pode ter diferentes usos. Entre os mais frequentes, destacam-se os seguintes:

i) verbo intransitivo: «O trabalho acabou

ii) verbo transitivo direto: «Acabei o trabalho.»

iii) verbo transitivo indireto: «A ação do filme acaba neste local.» / «Isto acabou com a relação.»

iv) verbo pronominal (transitivo ou intransitivo): com o sentido de “esgotar-se” («As minhas ideias acabaram-se») ou de “morrer” («A sua vida acabou-se»).

Quanto ao verbo cicatrizar, este pode ter os seguintes usos:

i) verbo intransitivo: «A ferida cicatrizou

ii) verbo transitivo direto: «O creme cicatrizou a ferida.»

iii) verbo pronominal: «A pele cicatrizou-se após o tratamento.»

 

Disponha sempre!

Pergunta:

Em D. CasmurroMachado de Assis escreve:

«Vi-lhe fechar o cofre.»

em vez de «vi-o», por conta da transitividade direta.

Achei a seguinte explicação em um site:

«Orações subordinadas objetivas diretas reduzidas de infinitivo permitem o lhe quando seguidas por um verbo que possui regência direta. Exemplo: "Vi-o fechar o cofre." "Vi-lhe fechar o cofre."»

Qual é a razão para tal uso? Encontra-se respaldo na norma culta?

Grato!

Resposta:

A situação apresentada constitui uma construção marginal na língua portuguesa, que está, contudo, correta e que se encontra descrita.

Antes de mais, é importante verificar que a frase de Machado de Assis constitui um exemplo de uma construção designada união de orações, descrita por Barbosa e Raposo, que se caracteriza por «o verbo causativo ou de perceção forma[r] um núcleo verbal complexo com o verbo infinitivo» (Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 1963). Esta construção é composta, deste modo, por uma única oração com características específicas que analisaremos de seguida.

A frase apresentada está relacionada com uma construção original que inclui uma oração subordinada completiva:

(1) «Vi que o João fechou o cofre.»

A frase (1) é composta por duas orações: a subordinante («Vi») e a subordinada («que o João fechou o cofre»), gerando cada uma as suas funções sintáticas específicas. Assim, a oração subordinante tem como sujeito a primeira pessoa do singular, ao passo que a oração subordinada tem como sujeito «o João».  Quando estas orações se unem para formar uma só, os constituintes da oração subordinada original têm de se adaptar à natureza da nova oração, o que implica que o constituinte que era originalm...

Pronto,
Uma história de ascensão

Uma ficção em torno do crescente domínio da palavra pronto(s) na conversação, imaginada por Carla Marques. De Pronto adjetivo a Pronto interjeição, feita bordão, sem esquecer Pronto, o advérbio.