Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

As minhas questões estão relacionadas com a subsequente frase:

«Ela falaz é tão quanto a Ilusão.»

Nesta frase, cuja ordem está invertida por motivos estilísticos, deverei manter o advérbio tão, o qual é usado em lugar de tanto antes de adjetivos e de advérbios, tendo em vista a ordem natural da frase «ela é tão falaz quanto a Ilusão», ou deverei mudar o tão para tanto por não se seguir um adjetivo ou um advérbio?

E, por igual nesta frase, deverei manter o quanto ou posso alterá-lo para quão, uma vez que está implícito um adjetivo, sendo «ela falaz é tão quão a Ilusão» equivalente a «ela falaz é tão quão (falaz é a) Ilusão»?

Obrigado desde já pela atenção.

Resposta:

A questão apresentada insere-se no âmbito das construções comparativas de grau. O grau, que pode corresponder ao comparativo ou ao superlativo, expressa-se por meio de operadores comparativos. No caso particular da construção comparativa de igualdade, os operadores comparativos que se poderão mobilizar serão:

(i) tão (usado com adjetivos e advérbios) e tanto (usado com verbos e nomes), no primeiro termo da comparação;

(ii) como / quanto (com qualquer classe verbal), no segundo termo da comparação.

O segundo termo comparativo pode também ser introduzido pelo advérbio quão, que costuma ser sentido como mais literário. Este é usado normalmente quando se comparam graus de propriedades diferentes na mesma entidade:

(1) «Ela é tão simpática quão compreensiva.»

Assim sendo, respondendo diretamente às questões colocadas pelo consulente:

a) não é possível substituir quanto por

Pergunta:

Quanto à dúvida apresentada pela consulente Sílvia Pereira, em 25/9/2019, penso que talvez seja mais esclarecedor analisar a frase da seguinte forma: «Ele sabe o (=isso) de que fala». Assim sendo, «do (o de que) se fala» é oração subordinada substantiva direta; e «de que se fala» oração adjetiva restritiva, que está embutida na primeira.

Resposta:

Na sua proposta alternativa de análise, o consulente adota a visão presente, por exemplo, em Cunha e Cintra1, que consideram que a oração relativa pode funcionar como adjunto adnominal do pronome o. Nesta possibilidade de análise, o pronome o é um constituinte independente que é modificado pela oração subordinada adjetiva relativa restritiva «de que se fala».

Na visão que defendemos na resposta dada inicialmente, considera-se que a sequência «o que» corresponde não a dois constituintes distintos, mas a um único, que designámos locução relativa, na senda da proposta de Veloso2. Considera-se, nesta linha, que a locução «o que» tem a capacidade de ter como antecedente toda uma oração anterior. Assim sendo, a oração «do que fala» funciona em bloco, tem uma natureza substantiva e ocupa o espaço do complemento direto, como aconteceria com constituintes de natureza diferente e exemplificados nas frases seguintes:

(1) «Ele sabe a verdade

(2) «Ele sabe que tu vens

(3) «Ele sabe do que fala

A sustentar a visão que defendemos pare...

Pergunta:

Como tradutora, deparo-me muitas vezes com a estrutura "nome singular+nome plural" no inglês, como ad formats e bid adjustments.

Nesta pergunta relacionada, vocês mencionam "nomes contáveis e não contáveis". No entanto, não é explicado se a utilização de singular em vez de plural no segundo nome é efetivamente um erro gramatical na tradução.Ou seja:

1) "formatos de anúnciO" está incorreto em termos gramaticais? É obrigatório ser "formatos de anúnciOS", uma vez que "anúncios" é um nome contável neste contexto?

2) O mesmo se aplica a "ajustes de lance". "de lancE" ou "de lancES"? É obrigatório usar plural se o nome for contável? A utilização do singular é incorreta gramaticalmente?

A resposta dada na outra pergunta indica que os exemplos «máquina» e «refrigerante» "podem flexionar no plural", o que me pode levar a crer que não há uma obrigatoriedade em usar a estrutura "nome plural+preposição+nome plural" quando os dois nomes são contáveis.

Obrigada por esclarecerem esta questão.

Resposta:

O caso apresentado diz respeito a uma unidade sintática composta por «nome nuclear + de + nome». Nesta situação, importa averiguar se o nome, complemento da preposição de, deverá surgir no singular ou no plural.

Embora não conheçamos um estudo que trate de forma aprofundada e consequente as diferenças entre as duas possibilidades flexionais do nome, em contexto interior ao sintagma preposicional, podemos sistematizar alguns aspetos que poderão ser orientadores:

(i) O nome que está no interior do sintagma preposicional não concorda em número com o nome que o sintagma complementa ou modifica:

            (1) «terreno de cultivo»

            (2) «terrenos de cultivo»

            (3) «*terrenos de cultivos»

(ii) Os nomes contáveis no interior de um grupo preposicional ocorrem tipicamente com um determinante que os introduz, podendo ser flexionados no singular ou no plural, em função do valor de quantificação existencial que expressam:

            (4) «as ruas da cidade»

            (5) «as ruas das cidades»

            (6) «o estado desta casa»

            (7) «o estado destas casas»

(iii) Os nomes contáveis podem ser recategorizados c...

Uma aula nos corredores do poder
Uma gramática para o sucesso

A forma como as palavras são manipuláveis e como os falantes as ajustam aos seus interesses mostra uma linguagem que espelha os próprios utilizadores, sobretudo num contexto de exercício do poder. É este o mote para este pequeno apontamento de Carla Marques.

Pergunta:

Elaborei uma questão sobre o advérbio nunca que gerou duplicidade na sala de aula.

A questão é baseada numa tirinha onde o rapaz dizia para a moça: «Abrace-me! Beija-me! Nunca deixa-me!», e a moça responde: «Tudo bem, mas antes dá para acertar o pronome?».

O humor consiste na moça fugir do rapaz quando ele erra a colocação pronominal, pois cortou o clima que havia entre eles. Compreendemos claramente que há um erro de colocação pronominal, uma vez que deveria ser uma próclise, e não ênclise, devido à palavra atrativa, que é um advérbio.

A dúvida é a seguinte: o nunca, nesse contexto é advérbio de negação ou de tempo?

Ajudem-me por favor!!!! A maioria dos professores de língua portuguesa acham que é uma negação e poucos concordam comigo que é tempo.

Resposta:

Nunca é um advérbio de tempo.

Em termos semânticos, nunca inclui um valor de negação, mas trata-se de uma negação de base temporal, pois «nega-se que exista um período temporal do tipo expresso na restrição durante o qual suceda a situação descrita na frase» (in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p.1649).

Podemos encontrar esta classificação da palavra nunca em diversas gramáticas, como é o caso de Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo. Ed. Sá da Costa (cf. p. 538).

Disponha sempre!