Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase

«Ironicamente, são os partidários da rainha quem começa por nomeá-lo " Mexias de Lisboa.."»

consideramos que «os partidários da rainha» seria o sujeito da frase.

Contudo, alguns alunos destacaram «quem começa por nomeá-lo...» como sujeito, sendo «partidários da rainha» o predicativo do sujeito.

Agradecíamos (sou a porta-voz dos meus colegas!) os vossos claríssimos esclarecimentos!

Resposta:

A frase apresentada é um caso de oração copulativa identificadora, oração que tem como traço essencial o facto de «identificar um indivíduo como portador de uma propriedade individual» (cf. Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 703 e ss.). Estas orações caracterizam-se também por terem uma estrutura equativa, ou seja, podem surgir na ordem canónica (sujeito+ verbo+ predicativo do sujeito) ou na ordem inversa (predicativo do sujeito + verbo + sujeito).

A identificação da função sintática desempenhada pelos seus constituintes terá de passar, em primeiro lugar, por identificar se a frase em análise se encontra na ordem canónica ou na ordem inversa. Para procedermos a esta identificação, poderemos recorrer ao teste da clivagem, que permite identificar a frase que se encontra na ordem canónica. Este teste recorre à construção SER…QUE para colocar o foco num constituinte e permite identificar a frase que se encontra na ordem inversa porque esta não permite foco no elemento que está à esquerda do verbo (para mais informações, ver aqui).

A frase apresentada tem uma estrutura complexa que dificulta a análise, devido sobretudo à presença de uma oração substantiva relativa. Por esta razão, procedemos à sua simplificação para tornar mais claros os resultados do teste de clivagem. Assim, consideraremos a frase (1) e aplicamos o teste de cliv...

Pergunta:

Na gramática tradicional a expressão «seja...seja» é considerada uma conjunção coordenativa disjuntiva.Todavia, sabemos que as conjunções pertencem a uma classe fechada de palavras e são invariáveis.

Ora, não é o que sucede com a expressão acima referida. Em inúmeras circunstâncias eu posso utilizá-la como forma verbal e flexioná-la. Já ouvi chamar-lhe expressão anafórica, forma verbal correlacional...

A minha questão é afinal a que classe de palavras pertence? Ou depende do contexto e da forma como é utilizada?

Muito obrigada!

Resposta:

A expressão «seja… seja» não está ainda totalmente gramaticalizada. Esta sua natureza é visível no facto de manter algumas características verbais, como é o caso da flexão em tempo, pessoa e número, que apresenta em certas frases:

(1) «Sempre discordam de tudo, sejam as discordâncias ligeiras, sejam de peso. Sempre discordavam de tudo, fossem as discordâncias ligeiras, fossem as de peso” [Adriano da Gama Kury, 1, 68] (exemplo de Bechara, Moderna Gramática Portuguesa. Ed. Nova Fronteira, pp. 269-270)

Para além disso, pode coocorrer com a conjunção ou, o que uma conjunção não permite:

(2) «Alguém terá de o acompanhar: seja a Joana ou seja o Rui.»

(3) «*Alguém terá de o acompanhar: ora a Joana ou ora o Rui.»

Pelas razões expostas, a expressão não deverá ser considerada uma conjunção disjuntiva (ver também os textos relacionados). 

Disponha sempre!

 

*assinala a agramaticalidade da frase.

Pergunta:

O professor Pasquale Cipro Neto aponta duas possibilidades de concordância com o verbo na segunda pessoa do plural: «Quais de vós podem» e «Quais de vós podeis».

Não acredito na primeira possibilidade; o verbo não ficará, de regra, na segunda pessoa do plural (podeis)?

Resposta:

Alguns gramáticos referem que quando o sujeito é composto por uma expressão de sentido partitivo (como «quais de/dentre»), o sujeito deve concordar com a expressão introduzida por de / dentre (cf. Bechara, Moderna Gramática Portuguesa. Ed. Nova Fronteira, p. 454 ou Epifânio da Silva Dias, Sintaxe histórica portuguesa. p. 21)

Todavia, há também quem defenda, como Cunha e Cintra, que o «verbo pode ficar na 3.ª pessoa do plural ou concordar com o pronome pessoal que designa o todo» (Nova Gramática do Português. Ed. Sá da Costa, p. 500). Deste modo, de acordo com esta última perspetiva, podemos aceitar ambas as construções:

(1) «Quais de vós podem?»

(2) «Quais de vós podeis?»

Disponha sempre!

Pergunta:

Uma questão de importância; corrija-me se estiver errado.

«As obras e seu respectivo valor haviam de ser avaliados» (avaliadas as obras, como também o valor; não havendo ambiguidade na sentença)

ou

«As obras e seu respectivo valor haviam de ser avaliadas» (avaliadas só as obras)?

Nesse caso, havendo a possibilidade de se subentender que seriam avaliadas as obras e o valor, haveria então ambiguidade, cabendo ao leitor interpretar o contexto? ) [creio que nessa sentença o termo «avaliadas» só pode se referir a «obras»].

Uma questão de importância do termo a concordar, ou uma restritiva de concordância?

Agradeço logo pela resposta. E parabenizo mais uma vez esse belíssimo trabalho do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.

Resposta:

Neste caso, de acordo com a regra geral, o verbo com sujeito composto vai para o plural e o particípio para o masculino plural 1. Deste modo, a frase (1) respeita esta regra:

(1) «As obras e seu respetivo valor haviam de ser avaliados.»

No entanto, numa situação em que o núcleo da frase seja apenas o constituinte «As obras», sendo o constituinte «e o seu respetivo valor» tomado como parentético, o verbo vai para o plural e o particípio para o feminino plural, concordando com o sujeito «As obras». No contexto desta possibilidade, julgamos, todavia, que o constituinte parentético deveria surgir entre vírgulas para desfazer a ambiguidade que pode gerar com a interpretação presente em (1):  

(2) ««As obras, e seu respetivo valor, haviam de ser avaliadas.»

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as suas gentis palavras.

Disponha sempre!

1. cf. Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo. Ed. Sá da Costa, pp. 494 e ss. 

Pergunta:

«A próclise é de rigor quando o verbo vem antecedido de certos advérbios (ainda, , sempre, , talvez, etc), ou expressões adverbiais, e não há pausa que os separe.»

A minha dúvida é esse etc. Quais são os advérbios que atraem os pronomes?

Felicidades pelo vosso trabalho!

Obrigado!

Resposta:

Em português europeu, podemos identificar um conjunto de advérbios que são atratores de próclise, ou seja, atraem o pronome para antes do verbo. Entre eles encontram-se três tipos de advérbios:

(i) os advérbios focalizadores, que são aqueles que «realçam, de forma diferentes, uma entidade ou grupo de entidades na perspetiva da sua pertença a um determinado conjunto de elementos, que pode ser recuperado através do contexto discursivo»1. Estes advérbios são atratores de próclise quando colocados antes do verbo. Entre eles encontram-se os advérbios focalizadores exclusivos (apenas, somente, só, logo, antes), os inclusivos (também, até mesmo), os aspetuais (já, ainda, quase) e o advérbio talvez2;

(ii) os advérbios enfatizadores: estes advérbios contribuem para intensificar e enfatizar uma afirmação e são atratores de próclise quando em posição pré-verbal. Entre eles estão os advérbios bem, lá, até, logo, sempre, já3:

(1) «Eu bem o vi chegar.»

(2) «Ele sempre me avisou.»

(iii) os advérbios focalizados: advérbios nos quais se coloca o foco e que podem ser objeto de clivagem, como acontece em (4):

(3) «Depois te contarei a verdade.»

(4) «Só depois te contarei a verdade.»4

Entre os advérbios que admitem focalização, estão, por exemplo, sempre, logo, ali, rapidamente5.

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as suas gentis palavras.

Disponha sempr...