Pergunta:
Trata-se de uma temática gramatical difícil de entender e mais complicada, ainda, de explicar aos nossos alunos. Já consultei manuais escolares, gramáticas, o Ciberdúvidas e facilmente se encontram contradições nas explicações/exemplos apresentados. Gostaria, se possível, que, com exemplos, clarificassem a diferença entre estes dois aspetos e deixo, para isso, algumas questões:
(1) «O João correu durante uma semana.» (in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa)
A frase anterior aparece como exemplo de valor iterativo. Não será antes perfetivo?
Numa gramática encontro que o valor habitual «refere uma situação recorrente num intervalo de tempo ilimitado» e apresenta o seguinte exemplo:
«É costume visitar o meu primo duas vezes por semana.»
Não haverá, nesta frase, limitação temporal com a utilização da expressão temporal «duas vezes por semana»?
Finalmente, no manual que utilizo, nos elementos linguísticos apresentados para os dois valores surge a expressão «todos os dias».
Desde já, muito obrigado. Agradeço os esclarecimentos possíveis.
Resposta:
Antes de mais, importa clarificar que falar de aspetualidade implica convocar uma noção temporal que indica a duração de uma situação ou as suas fases. Por outro lado, é importante também reiterar que a identificação do valor aspetual de uma situação é uma tarefa complexa por envolver muitas variáveis. Como recorda Campos, «o valor aspectual de uma situação só pode ser estabelecido pela integração progressiva de todos os constituintes que participam na sua definição, a saber, verbo lexical, predicado (SV), sujeito, tempo verbal, adverbial temporal-aspectual, contexto discursivo.»1 A falta de algum destes elementos pode comprometer ou dificultar a interpretação do valor aspetual veiculado.
A questão da diferença entre o valor habitual e o iterativo está relacionada com a noção semântica de duração. A duração opõe-se à pontualidade e está relacionada com a expressão do tempo de desenvolvimento de uma situação. A pontualidade, por seu turno, descreve situações que não têm duração interna, ou seja, que entre o início e o términus têm apenas um lapso temporal.
A duração pode ser descrita como contínua (sem interrupção no seu tempo de desenvolvimento) ou descontínua (com interrupção no seu tempo de desenvolvimento). Esta última perspetiva contribui para a criação da ideia de repetição (a descrição é de um conjunto de situações). É no âmbito do padrão de repetição de uma situação que se enquadram os valores aspetuais habitual e iterativo. Assim,
(i) habitual descreve uma situação que «representa um padrão de repetição da situação suficientemente relevante a ponto de poder ser considerado como uma propriedade característica da entidade representada pelo sujeito gramatical»2; trata-se de uma repetição descrita como ilimitada:
(1) «O João escreve.» (= O João é escritor.)
(ii) o ite...