Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase «Ficámos ambos contentes», qual é o sujeito e o predicado?

Considera-se sujeito nulo ou a palavra ambos desempenha a função de sujeito?

Obrigada.

Resposta:

Na frase apresentada, o pronome ambos é o sujeito e o adjetivo contentes, o predicativo do sujeito.

O sujeito identifica-se pela forma verbal, que se encontra flexionada na 1.ª pessoa do plural, concordando com o sujeito. Recorde-se que o pronome indefinido ambos pode ocorrer com o verbo flexionado na 1.ª pessoa do plural ou na 3.ª pessoa do plural (veja-se esta resposta)

Disponha sempre!

Finalmente, uma árbitra!
O feminino dos nomes e as mentalidades

A utilização da palavra árbitra, na sequência de Stéphanie Frappart ter sido a primeira mulher a arbitrar um jogo da Liga dos Campeões masculina motiva uma reflexão sobre a formação do feminino de algumas palavras em contextos onde o uso do género masculino parece retratar uma realidade dominada por homens, como conclui a professora Carla Marques

Pergunta:

Qual é o tempo verbal mais adequado – presente do conjuntivo ou futuro do conjuntivo – às seguintes frases?

Caso seja possível usar ambos os tempos verbais, existe alguma diferença de significado entre as frases resultantes?

Quais as regras gerais de aplicação de um ou outro tempo verbal nas orações relativas?

Podemos discutir outras propostas que considerem melhores. Podemos discutir outras propostas que considerarem melhores

Podes escolher a casa que quiseres. Podes escolher a casa que queiras

Podes escolher uma casa que quiseres. Podes escolher uma casa que queiras

Aquele que quiser, pode vir comigo. Aquele que queira, pode vir comigo

Podes fazer o que queiras. Podes fazer o que quiseres

Fique onde eu lhe diga. Fique onde eu lhe disser.

Resposta:

Em geral, as frases apresentadas são aceitáveis, embora alguns contextos de uso possam levar a considerar uma das opções preferível.

O conjunto de frases apresentadas enquadra-se no uso dos tempos do conjuntivo em orações subordinadas adjetivas relativas. Neste contexto, refira-se, de uma forma geral, que o conjuntivo só é utilizado com orações relativas restritivas, sendo o seu uso agramatical com orações relativas explicativas. Excetuam-se as orações que incluam expressões como talvez ou oxalá.

O uso do conjuntivo em orações relativas indica tendencialmente a apresentação de uma situação que não é dada como verdadeira, sendo, portanto, descrita como uma possibilidade.

Em muitas situações, os falantes usam de forma indistinta o presente do conjuntivo e o futuro do conjuntivo em oração subordinadas relativas1. Não obstante, de forma mais fina, poderemos afirmar que ambos os tempos localizam a situação num tempo posterior ao da enunciação. Todavia, o futuro do conjuntivo tem a capacidade de assinalar a situação como mais concreta e menos vaga, ao contrário do presente do conjuntivo, que aponta para uma interpretação mais vaga e universal.

Por esta razão, parece preferível a opção pelo futuro do conjuntivo da frase (1), se o falante tiver em mente uma situação mais específica e concreta.

(1) «Podes escolher a casa que quiseres.»

Já na frase (2), será preferível o recurso ao presente do conjuntivo uma vez que se refere uma situação mais vaga e genérica:

(2) «Podes escolher uma casa que queiras.»

Não obstante, diversos contextos poderão motivar o recurso a outro tempo verbal nas frases (1) e (2).

Também porque o futuro do conjuntivo assinala uma ...

Pergunta:

Na estrutura oracional «Não entendo: a palavra comissária vem de comissão, não é?», a oração que segue os dois pontos desempenha a função sintática de aposto?

Resposta:

A oração «a palavra comissária vem de comissão» não desempenha a função sintática de aposto (ou modificador do nome apositivo) na frase em questão.

A função sintática de aposto está dependente de um nome, que é modificado pelo constituinte com esta função, tal como acontece em (1):

(1) «O João, o médico de família, chegou ontem.»

Nesta frase, o constituinte «o médico de família» tem a função sintática de aposto, relacionando-se com o grupo nominal «o João».

No caso em análise, a oração «a palavra comissária vem de comissão» não estabelece relação de modificação com nenhum nome. Na verdade, esta oração, que é uma interrogativa direta, não está dependente de nenhum outro constituinte.

Existe, porém, uma relação semântica entre a oração «não entendo» e a oração em análise, uma vez que o verbo entender funciona como verbo declarativo introdutor de discurso citado. No entanto, na frase em análise não existe uma estrutura de subordinação, que estaria presente numa construção como a que se apresenta em (2):

(2) «Não entendo se a palavra comissária vem de comissão.»

Poderemos considerar que, na frase apresentada pela consulente, está presente uma relação particular de parataxe. Trata-se, segundo Amália Mendes, de uma relação «em que uma oração acrescenta algum tipo de informação sobre outra oração independente […], sem que, no entanto, as duas orações estejam formalmente integradas num mesmo constituinte sintático. Chamamos a este tipo de conexão entre orações suplementação.» (in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 1726).

Disponha sempre!

Pergunta:

A seguinte frase, apesar de ter ponto de interrogação, é um pedido.

«Podes dar-me um beijinho?»

Como tal, considero imperativa.

O que me dizem?

Obrigada! 

Resposta:

Se atentarmos apenas na estrutura da frase, diremos que, de um ponto de vista sintático-semântico, estamos perante uma frase interrogativa que apresenta as características de uma interrogativa direta. Note-se que nem sempre as frases interrogativas têm como objetivo levar o locutor a apresentar verbalmente uma dada informação. Algumas frases interrogativas constituem pedidos indiretos que requerem a realização de uma dada ação. É o que acontece numa frase como (1):

(1) «Passas-me o sal?»

Mas se tivermos em atenção não apenas as características formais da frase mas também a sua intenção pragmática, poderemos considerar esta uma frase imperativa, na medida em que configura um ato ilocutório diretivo. Ou seja, o locutor pretende, através deste enunciado obter a realização de uma determinada ação por parte do interlocutor, que interpreta a frase como um pedido de ação e não como um pedido de resposta. A estrutura interrogativa é usada para atenuar a força de ordem que estaria presente numa frase como (2):

(2) «Dá-me um beijinho!»

Acresce ainda, num contexto de classificação em meio escolar, a frase deverá ser considerada interrogativa, devendo a análise do seu conteúdo pragmático ser contextualizada no âmbito do estudo dos atos ilocutórios.

Disponha sempre!