Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora
O túnel e a luz
Uma metáfora de esperança e precaução

A metáfora do túnel, na fase pandemia que se atravessa, encontra-se na ordem do dia, sobretudo porque este parece ter uma luz ao fundo, que é trazida pela chegada das vacinas contra a covid-19. Um motivo para um apontamento sobre a palavra e a construção metafórica que alberga, pela professora Carla Marques

Pergunta:

Habitualmente, considera-se rima rica aquela na qual as palavras rimadas pertencem a categorias gramaticais diferentes.

Ocorreu-me uma dúvida no que diz respeito às locuções. Por exemplo: um substantivo e uma locução adverbial terminada por substantivo seriam, para efeito de classificar uma rima, consideradas categorias gramaticais diferentes?

Em outras palavras, a rima de um substantivo com uma locução adverbial terminada por um substantivo é considerada rima pobre ou rima rica?

Por exemplo: a rima de colheita (substantivo) com «à direita» (locução adverbial) é considerada rima pobre ou rima rica?

Resposta:

O caso apresentado pode ser considerado rima rica.

A rima rica não se resume apenas àquela que tem lugar entre classes de palavras distintas. Como nos ensinam Cunha e Cintra, rima rica é também a que ocorre entre «finais pouco frequentes» (Nova Gramática do Português Contemporâneo. Ed. Sá da Costa, p. 695).  

Assim sendo, julgo que existem argumentos para classificar o exemplo apresentado pelo consulente como um caso de rima rica, porque, para além de rimarem classes diferentes, a rima explorada (-eita) é pouco frequente.

Disponha sempre.

Pergunta:

Em muitos vestibulares, surgiu a ideia de «texto não verbal».

Entretanto... quando se pesquisa em um dicionário tradicional, percebe-se que o texto está ligado a palavras: “Enunciado escrito. Conjunto das próprias palavras de um autor, em um livro ou em qualquer escrito, em oposição às notas, índices, ilustrações etc.”

Com o até aqui já exposto, se admitirmos que a definição do dicionário selecionado está correta, o «texto não verbal» não existe! Mas pode-se pensar assim?

Se fui ignorante, peço desculpas! Mas pesquisei em dez dicionários e todos me deram a definição já citada!

Desde já agradeço a atenção!

Resposta:

O conceito de «texto não verbal» existe e é dotado de grande vitalidade em meio académico. Para referir esta realidade, usa-se também a expressão «linguagem não-verbal».

O conceito de texto, sobretudo na literatura especializada, tem sido alargado a todos os signos que possam ser usados com uma intenção comunicativa. No caso do texto não verbal, estamos perante signos que comunicam sem recurso ao uso de palavras.

Ferrara define da seguinte forma texto não verbal: «O texto não-verbal é uma linguagem; a leitura não-verbal firma-se  também  como linguagem, na medida em que evidencia o texto através do conhecimento que a partir dele e sobre ele é capaz de produzir, ou seja, é uma linguagem de linguagem.  O texto não-verbal  é  uma  experiência  quotidiana;  a  leitura  não-verbal  é uma inferência sobre essa experiência. Da natureza do texto, a leitura faz brotar suas aspirações e ambições metodológicas, mas dela própria, leitura, depende apreender aquela manifestação quotidiana.» (Leitura sem palavras. Editora Ática, p. 13)

Disponha sempre!

Pergunta:

Em «Olegário só podia votar contra», é correto terminar a frase com a preposição? Aliás, fora este caso, há exceções para terminar frase com preposição?

Obrigado.

Resposta:

A frase é uma citação da obra de Nelson Rodrigues, A menina sem estrela: memórias.  

A frase apresentada está correta, se considerarmos que contra é não uma preposição, mas um advérbio que expressa o modo como se votou (= contrariamente).

A frase apresentada será o oposto de (1):

(1) «Olegário votou a favor.»

Disponha sempre!

Pergunta:

No conto a “A Lua” de Jacob e Wilhelm Grimm, encontramos «Velhos e novos alegraram-se quando a nova lanterna começou a estender a sua luz…».

Existe uma metáfora na expressão «a nova lanterna»?

Resposta:

Na minha ótica, poderemos considerar a existência de uma metáfora associada à expressão «a nova lanterna».

Tal interpretação é justificável porque a metáfora é um recurso expressivo que assenta num processo de associação entre duas realidades, através do qual procura «uma associação de semelhança implícita» (E-dicionário de Termos Literários, de Carlos Ceia).

Ora, neste caso, os moradores da terra onde a noite era sempre escura estabelecem uma associação entre a lua (realidade que não conheciam) e a lanterna (realidade que conheciam) por meio da semelhança que consiste no facto de ambos os elementos difundirem luz. Embora não se trate de uma metáfora intencional, uma vez que eles não conhecem um dos elementos associados, o processo que utilizam para atribuir nome àquela nova realidade corresponde ao processo de construção metafórica.

Disponha sempre!