Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na escola onde trabalho, houve uma questão que dividiu opiniões...

Classifique o grau do adjetivo sofisticadas da frase abaixo.

«Executivos de tais organizações frequentam as mais sofisticadas redes políticas do mundo.»

Não estamos diante de um superlativo relativo analítico já que falamos sobre as redes políticas mais sofisticadas do mundo?

Alguns classificaram como: absoluta.

Desde já agradeço a atenção dos Senhores.

Resposta:

O adjetivo sofisticadas encontra-se, na frase em apreço, no grau superlativo relativo de superioridade.

É comum que o adjetivo neste grau modifique um nome elítico, ou seja, que não é verbalizado no grupo de palavras que o adjetivo integra, como acontece em (1), onde o nome aluno é omitido:

(1) «O António é o (aluno) mais alto da turma.»

Não obstante, é possível verbalizar o nome modificado pelo adjetivo, o que se verifica na frase apresentada pelo consulente, onde destacamos o sintagma nominal modificado:

(2) «Executivos de tais organizações frequentam as mais sofisticadas redes políticas do mundo.»

Note-se que nesta construção o adjetivo tem a forma «a mais ADJ de», mas não é necessário que todos os elementos surjam seguidos, como se observa em (3), onde o sintagma «redes políticas» intercala o determinante artigo e o adjetivo:

(3) «Executivos de tais organizações frequentam as redes políticas mais sofisticadas do mundo.»

Acresce ainda que na frase apresentada não poderemos considerar que o adjetivo se encontra no grau absoluto, porque este grau expressa um valor elevado, enquanto o superlativo relativ...

Pergunta:

Há dias, numa notícia sobre a situação em que se encontram as companhias de circo em Portugal por causa das restrições da pandemia, "tropecei" na palavra «chapitô», como substantivo comum:  «O primeiro ano dos artistas de circo fora do chapitô.»

Confesso, desconhecia por completo; nem encontrei dicionarizado  a palavra  como substantivo comum. Só  conhecia em maiúscula, o nome da escola de circo Chapitô.

Muito agradeço o esclarecimento.
 

Resposta:

Com efeito, não foi possível encontrar registo dicionarístico da palavra chapitô, pelo que estaremos perante um empréstimo da língua francesa. 

Pelo contexto, a palavra estará usada no sentido da palavra francesa chapiteau, que significa «tenda de um circo ambulante». Mantendo este sentido, a palavra terá sido adaptada à grafia portuguesa, transformando a grafia francesa eau (que se lê "ô") em grafia portuguesa com um som equivalente: "chapitô". Assim, o sentido do título da notícia será equivalente a «O primeiro ano dos artistas de circo fora da sua tenda de espetáculos». 

Disponha sempre! 

Vacina e esperança
Sentidos que se unem em pandemia

«A palavra vacina marca de forma indelével o final do ano de 2020», e a ela se associa a palavra esperança. Esta é a reflexão da professora Carla Marques, no início do ano 2021.

Das montarias às matanças
Palavras a denunciarem os atos

Na Herdade da Torre Bela, na Azambuja, organizou-se uma montaria, que levou à morte de 540 animais de grande porte, um caso que tem perturbado a opinião pública em Portugal e que motiva uma análise de palavras envolvidas nestes atos, como caça, montaria ou matança. Pela professora Carla Marques.

Pergunta:

Sou professora de Português em Espanha e, com frequência, observo que os meus alunos elaboram frases como:

– Gostaste do filme? Sim, gostei dele.

– Pratico natação e como gosto muito dela, vou à piscina duas vezes por semana.

Produz-me muita estranheza este uso do pronome pessoal para substituir realidades que não são pessoas.

Nas minhas aulas, eu nunca uso o pronome pessoal nestas estruturas. Simplesmente respondo:

– Gostaste do filme? Sim, gostei. / Gostei, gostei muito.

– Pratico natação e como gosto muito, vou à piscina duas vezes por semana.

Porém os meus alunos fazem estas pronominalizações de forma natural. Duvido que seja por influência do espanhol, dado que a construção deste verbo é completamente diferente.

Penso que não é correto, mas, às vezes, já me fazem duvidar. Gostava de poder explicar bem o porquê e como não encontrei informação sobre o assunto, pensei que era uma boa questão para este espaço.

Antes de acabar, queria deixar constância do meu mais sincero agradecimento pela extraordinária ajuda que este site me oferece na preparação das minhas aulas.

Muito obrigada!'

Resposta:

Agradecemos as gentis palavras e congratulamo-nos pelo auxílio que este espaço lhe fornece.

Como é sabido, o verbo gostar seleciona complementos regidos pela preposição de. No entanto, uma vez que esta preposição não veicula um valor semântico, os complementos que introduz são, com frequência, e sobretudo em situações de conversação informal, omitidos1:

(1) « ̶  Gostas de chocolates?

         ̶  Gosto [de chocolates].»

Embora esteja elidido, este constituinte é pressuposto pelos falantes de forma a garantir a comunicação.  

Quando o complemento do verbo gostar é anafórico, pode assumir a forma disto ou dele/a(s):

(2) «Ele conhece o João há anos. Gosta dele [do João] por essa razão.»

(3) «Ele decidiu arrumar a garagem. Gosto disso [de ele ter decidido arrumar a garagem] porque preciso de espaço.»

Como assinalam estas frases, parece existir uma tendência para usar o pronome ele em referência a antecedentes com o traço [+humano], sendo o pronome isso reservado para antecedentes com...