Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase «[D. Sebastião] Arrastou para a aventura toda a nobreza portuguesa», o verbo arrastar pode ser considerado transitivo direto e indireto, sendo o segmento «para a aventura» um complemento oblíquo?

Agradeço um esclarecimento.

Resposta:

Com efeito, o verbo arrastar pode ser usado como transitivo direto e indireto, selecionando um constituinte com a função de complemento direto e outro com a função de complemento oblíquo1. Neste uso, o verbo arrastar pode reger diferentes preposições, como de, por e para:

(1) «Arrastou o inimigo da floresta até à cidade.

(2) «Arrastou o inimigo pelo chão.»

(3) «Arrastou o inimigo para a praça.»

Assim, no caso da frase apresentada, o constituinte «para a aventura» tem a função de complemento oblíquo, sendo o verbo transitivo direto e indireto.

Disponha sempre!

 

1. Cf., por exemplo, Celso Luft, Dicionário Prático de Regência Verbal. Ática, 2008.

Dever e direito
As palavras da cidadania

Os termos dever e direito na sua relação com o conceito de cidadania e as implicações da abstenção. 

Crónica da autora , emitida no programa Páginas de Português do dia 21 de janeiro, na Antena 2.

Pergunta:

É errado dizer «vou meter estes filmes em dia» ou «vou meter a leitura em dia»?

Ou apenas é mais correcto utilizar palavras como pôr/colocar em vez de meter?

Obrigada

 

O consulente segue a norma ortográfica de 45.

Resposta:

Não se pode considerar o uso do verbo meter nas frases apresentadas como incorreto. Todavia, trata-se de um registo familiar que não será ajustado a enunciados produzidos em contextos de maior formalidade.

Nos casos em análise, o verbo meter é usado com o sentido de «fazer ficar em determinado estado ou situação» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea), pelo que poderá ser substituído por verbos com sentido sinónimo como pôr, colocar ou deixar, que são considerados mais formais.

Disponha sempre!

Pergunta:

Tenho dúvidas sobre como classificar as funções sintáticas na frase seguinte:

«O meu filho viajou de carro pela América do Norte.»

1. «....de carro» é modificador do grupo verbal? «...pela América do Norte» é complemento oblíquo?

2. ... ou são dois modificadores?

Inclino-me para a 1.ª opção, mas gostaria de ter a certeza.

Grato pela ajuda.

Resposta:

Tal como se afirma na primeira proposta de análise, o constituinte «de carro» tem a função de modificador do grupo verbal e «pela América do Norte» a função de complemento oblíquo.

O verbo viajar é um verbo de movimento que pede um argumento com a função semântica de «lugar para onde» ou de «lugar por onde». Também por essa razão, o verbo viajar pode reger, de acordo com Celso Luft (Dicionário Prático de Regência Verbal. Editora Atica, 2008), as seguintes preposições:

(i) para

     (1) «Ele viajou para Paris.»

(ii) de…para1

      (2) «Ele viajou de França para a Alemanha.»

(iii) por

       (3) «Ele viajou por França.» 

No entanto, o Dicionário Sintático de Verbos Portugueses (Almedina, 1995), de Winfried Busse, apresenta como possível também a regência da preposição de, dando como exemplos:

(4) «Viajar de carro/de comboio/de barco.»

(5) «O serviço está cada vez pior, já não dá gozo viajar de avião.»

Pergunta:

É comum utilizar a expressão «faz todo o sentido»...

Gostaria de saber se é correcto, ou se é preferível utilizar apenas «faz sentido...» ou «tem sentido...».

Obrigado.

 

O consulente segue a norma ortográfica de 45.

Resposta:

A expressão «faz todo o sentido» é correta.

Na expressão em análise, o nome sentido é determinado pelo quantificador todo, que, ao incidir sobre aquele, lhe associa um valor de quantificação de medição relativa, que «permite[-nos] definir uma porção de uma entidade relativamente à totalidade dessa entidade.» (Peres in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 784).

Deste modo, podemos concluir que, do ponto de vista semântico, são diferentes as seguintes expressões:

(1) «Faz sentido»

(2) «Faz todo o sentido»

(3) «Faz algum sentido»

Enquanto em (1) não existe qualquer valor de quantificação, em (2) a quantificação aponta para um valor de totalidade que contribui para intensificar a expressão. Já em (3) o valor de quantificação indica apenas uma porção do nome sentido, o que contribui para reduzir/enfraquecer o valor da realidade referida pelo nome.  

Disponha sempre!