A conversão da palavra narrativa em modismo, num alargamento quase impensável da significação original da palavra, motiva este apontamento da professora Carla Marques.
Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.
A conversão da palavra narrativa em modismo, num alargamento quase impensável da significação original da palavra, motiva este apontamento da professora Carla Marques.
A modalidade configurada na frase
«– Você, agora, arrume a questão: tem um mês para a convencer.»
é apreciativa ou epistémica com valor de probabilidade ?
Obrigada, desde já!
A frase, extraída do conto “Sempre é uma companhia”, de Manuel da Fonseca, configura a modalidade deôntica.
Na frase não está presente a modalidade apreciativa, porque esta ocorre quando o locutor expressa uma apreciação sobre o conteúdo da sua frase, como em (1):
(1) «Felizmente, o João acabou o trabalho.»
Também não estamos perante um caso de modalidade epistémica, pois esta está relacionada com o grau de certeza que o locutor associa ao conteúdo da sua frase. Assim, poderá usar o valor de certeza quando afirma o conteúdo da frase como certo, como em (2), ou o valor de probabilidade, quando o locutor não se compromete com a certeza do que afirma, como em (3):
(2) «É certo que o João terminou o trabalho.»
(3) «Talvez o João tenha terminado o trabalho.»
Como se pode concluir do que ficou dito atrás, a frase apresentada não configura nenhuma das modalidades referidas. É, antes, um caso de modalidade deôntica, na medida em que o locutor expressa, através do seu enunciado, um valor de obrigação, procurando agir sobre o seu interlocutor.
Disponha sempre!
Como devo dizer: «suscitando a admiração geral pela sua cultura e qualidades» ou «suscitando a admiração geral pelas suas cultura e qualidades»?
Inclino-me para a segunda construção, mas agradeço desde já a vossa ajuda.
A opção correta é a que se apresenta em (1):
(1) «suscitando a admiração geral pela sua cultura e qualidades»
Esta deve ser a construção a adotar porque, como explicam Cunha e Cintra, «Quando um só possessivo determina mais de um substantivo, concorda com o que lhe esteja mais próximo» (Nova Gramática do Português. Ed. Sá da Costa, p. 320)
Caso os nomes surgissem invertidos, o determinante sua concordaria com qualidades:
(2) «suscitando a admiração geral pelas suas qualidades e cultura»
Disponha sempre!
Qual a função sintática «a que houvesse discórdia» na frase «a atitude dele levou a que houvesse discórdia»?
O constituinte «a que houvesse discórdia» desempenha função de complemento oblíquo.
O verbo levar pode ser usado como transitivo indireto, com o sentido de «conduzir a», como se verifica na frase (1):
(1) «Os caminhos levam a Roma.»
Neste caso, o constituinte «a Roma» tem a função de complemento oblíquo.
O mesmo se verifica na frase apresentada pela consulente, na qual a oração completiva desempenha a função de complemento oblíquo. Note-se que uma oração completiva pode desempenhar esta função quando o verbo rege preposição, como se explica nesta resposta 1.
Disponha sempre!
1. Para maior aprofundamento da questão das orações completivas oblíquas, leia-se Barbosa in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, ponto 36.6.2 , pp. 1869 - 1873.
«Uma das grandes diferenças entre a televisão clássica e linear e esta acessível pelo digital é que a primeira era caduca e mortal e a pós-televisão é imortal.»
Tendo em vista a frase acima, objeto de [uma] consulta [anterior], gostaria de saber se é possível a classificação das orações como se segue:
«Uma das grandes diferenças entre a televisão clássica e linear e esta acessível pelo digital» – sujeito;
«que a primeira era caduca e mortal e a pós-televisão é imortal» – orações coordenadas entre si, com função de predicativo do sujeito referido acima.
Seriam orações predicativas coordenadas.
Obrigado.
A proposta de classificação das funções sintáticas presentes na frase apresentada pelo consulente é justa, uma vez que estamos perante uma frase copulativa*.
Assim, «Uma das grandes diferenças entre a televisão clássica e linear e esta acessível pelo digital» tem a função de sujeito e o constituinte «que a primeira era caduca e mortal e a pós-televisão é imortal» a função de predicativo do sujeito.
Este último constituinte é formado por duas orações completivas finitas coordenadas. Não diremos, todavia, que estamos perante uma estrutura predicativa, uma vez que, como adverte Barbosa, «em rigor, não há predicação nestas frases […] a oração completiva, nestes exemplos, não atribui nenhuma propriedade à entidade abstrata representada pelo sujeito, mas limita-se antes a especificar, ou explicitar o próprio conteúdo dessa entidade» (in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 1858 [caixa 2]).
Disponha sempre!
* Cf. "Um predicativo do sujeito oracional" (12/02/2021).
Este é um espaço de esclarecimento, informação, debate e promoção da língua portuguesa, numa perspetiva de afirmação dos valores culturais dos oito países de língua oficial portuguesa, fundado em 1997. Na diversidade de todos, o mesmo mar por onde navegamos e nos reconhecemos.
Se pretende receber notificações de cada vez que um conteúdo do Ciberdúvidas é atualizado, subscreva as notificações clicando no botão Subscrever notificações