Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber qual o motivo que leva a que raramente veja exemplos de orações coordenadas explicativas introduzidas por porque.

Tenho-me deparado sempre com exemplos onde consta pois. Por outro lado, também raramente vejo exemplos de orações subordinadas causais introduzidas por pois.

Em conversa com colegas, dizem-me «Os miúdos não as sabem distinguir se utilizarmos para os dois exemplos». Ora, sabendo nós que cada vez mais os alunos têm dificuldade em interpretar, creio que seria conveniente, desde cedo, fazê-los contactar com as diferentes hipóteses. Isto é como o falar/o oral. Cada vez mais ouço (inclusive a professores) «Eu já "falei" isso», «Eu dei "a ele"».

Acredito que, se não utilizarmos as palavras, no contexto correto, qualquer dia deixamos de ter esta maravilhosa (consciente de que também difícil) língua que é o português.

Resposta:

O facto de nem sempre se assinalar a conjunção porque como introdutora de orações coordenadas explicativas parece ter lugar sobretudo em contexto escolar não universitário e estará relacionado com a procura de uma simplificação dos fenómenos gramaticais, de forma a auxiliar o estudo do aluno.

Na verdade, as orações coordenadas explicativas podem ser introduzidas pelas conjunções pois, porque, que e porquanto. Não obstante, a conjunção pois é frequentemente assinalada como prototípica, dado ter a capacidade de aparecer em inúmeras possibilidades de coordenação explicativa. Por seu turno, a conjunção porque (e também a conjunção que) apresenta, em algumas coordenadas explicativas, um comportamento menos claro, que a pode situar, do ponto de vista sintático, entre a subordinação e a coordenação. A título de exemplo, a orações explicativas introduzidas por porque (e por que) não admitem anteposição, o que acontece também com as orações introduzidas por pois:

(1) «Levanta-te, pois vai chover!» vs. «*Pois vai chover, levanta-te!»

(2) «Levanta-te, porque vai chover!» vs. «*Porque vai chover, levanta-te!»

Não obstante, ao contrário do que acontece com as orações introduzidas por pois, as orações explicativas introduzidas por porque admitem a colocação do pronome em posição pré-verbal:

(3) «Ele vai ter boas notas, pois emprestei-lhe os meus apontamentos.» vs. «*Ele vai ter boas notas, pois lhe emprestei os meus apontamentos.»

(4) «Ele vai ter boas notas, porque emprestei-lhe os meus apontamentos.» vs. «Ele vai ter boas notas, porque lhe emprestei os meus apontamentos.»

Estes são, todavia, dom...

Pergunta:

Tenho visto inúmeros casos em que é utilizado o tempo verbal 2.ª pessoa do singular do futuro do conjuntivo ou 2.ª pessoa do singular do infinitivo flexionado, como no  exemplo:

«Vais ficar a saber como podes utilizar a plataforma para compreenderes melhor o teu público e atingires os teus objetivos.»

Esta utilização é correcta? Parece que torna o leitor numa criança.

Não seria mais correcto:«Vais ficar a saber como podes utilizar a plataforma para compreender melhor o teu público e atingir os teus objetivos»?

Obrigado!

Resposta:

No caso apresentado, o recurso ao infinitivo flexionado é opcional.

O infinitivo flexionado deve ocorrer quando o sujeito da forma verbal da oração subordinada é distinto do sujeito da oração subordinante, como acontece em (1):

(1) «O professor aconselha os alunos a concluírem o trabalho.»

No entanto, como advertem Cunha e Cintra, será «mais acertado falar não de regras, mas de tendências que se observam no emprego de uma e de outra forma do INFINITIVO.» (Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 482). Esta afirmação justifica-se pelo facto de o infinitivo flexionado também poder ser usado quando o sujeito das duas orações é o mesmo. Por essa razão, as frases (2) e (3) são igualmente aceitáveis:

(2) «Os alunos habituaram-se a ler um livro por mês.»

(3) «Os alunos habituaram-se a lerem um livro por mês.»

A opção de infinitivo flexionado, presente na frase (3), pode justificar-se por razões estilísticas relacionadas com a intenção de dar destaque ao sujeito.

Perante o que ficou exposto, a frase apresentada pelo consulente poderá ocorrer tanto com infinitivo flexionado como com infinitivo não flexionado:

(4) «Vais ficar a saber como podes utilizar a plataforma para compreenderes melhor o teu público e atingires os teus objetivos.»

(5) «Vais ficar a saber como podes utilizar a plataforma para compreender melhor o teu público e atingir os teus objetivos.»

Nas frases (4) e (5), o sujeito dos verbos compreender e atingir é a segu...

Pergunta:

Na frase «Ele comeu tanto que ficou maldisposto», a oração subordinada é introduzida pela conjunção subordinativa consecutiva. Ou considera-se «tanto...que» uma locução conjuncional subordinativa consecutiva?

Resposta:

oração subordinada adverbial consecutiva é introduzida pela conjunção que.

Considera-se, num plano de análise que não é desenvolvido no ensino não universitário, que a oração consecutiva é selecionada por um operador como tanto, tamanho, tão ou tal. Este operador seleciona uma oração consecutiva introduzida por  que para exprimir uma construção de grau1, como acontece na frase apresentada pela consulente, na qual o grau elevado associado à situação descrita como «comer» tem uma consequência: a má disposição.

Disponha sempre!

 

1. Para aprofundar esta questão, pode consultar-se Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 2168-2173.

Pergunta:

Gostaria de saber se é sempre possível substituir o futuro perfeito do conjuntivo pelo futuro simples do conjuntivo.

Caso não seja, poderiam por favor apresentar um exemplo?

Muito obrigada.

Resposta:

De uma forma geral, estes tempos do conjuntivo sobrepõem-se a nível dos usos.

Com efeito, tanto o futuro simples do conjuntivo como o futuro composto (perfeito) do conjuntivo podem ocorrer em orações subordinadas relativas, adverbiais temporais e adverbiais condicionais.

Em muitas situações, o uso de um ou outro tempo é indistinto, na medida em que ambos têm a capacidade de marcar o tempo futuro relativamente ao momento da enunciação:

(1) «Quando terminarem o trabalho, venham ter connosco.»

(2) «Quando tiverem terminado o trabalho, venham ter connosco.»

É possível, não obstante, assinalar situações particulares que poderão ser expressas preferencialmente por um ou outro tempo. Assim, o futuro simples do conjuntivo, em situações muito específicas, pode sobrepor-se ao momento de enunciação:

(3) «Os alunos que estiverem constipados não vêm à aula amanhã.»

Note-se, todavia, que a interpretação do valor temporal como sobreposto ao momento da enunciação fica muito dependente do contexto.

O futuro composto do conjuntivo pode marcar um tempo passado relativamente ao momento da enunciação:

(4) «Os alunos que tiverem lido este livro vão apresentá-lo na aula.»

A frase (4) permite uma interpretação de ação concluída num momento anterior ao do da enunciação.

Em termos aspetuais ainda, o futuro composto do conjuntivo apresenta a situação como estando completa antes de outra ocorrer:

(5) «Quando tiver lido o livro, devolvo-to.»

Na frase (5), o futuro composto do conjuntivo permite a leitura de anterioridade da situação «ler o livro» face à situação «devolver o livro» e ainda sinaliza que a segunda situação só terá lugar depois de a primeira estar...

Pergunta:

Ao ler matéria em revista de grande circulação, deparei com a palavra , mas fiquei com muita dúvida quanto ao seu sentido e sua classificação, morfológica ou gramatical neste contexto:

«Durante a entrevista à imprensa, ao lado de outros ministros, como Eduardo Pazuello (Saúde) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), Bolsonaro se irritou com a pergunta de um jornalista sobre como ele havia recebido a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na terça-feira, 23, que anulou as quebras de sigilo bancários envolvendo o seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no processo que investiga a prática de rachadinha (desvio de verba de servidores do gabinete) quando ele era deputado estadual. Bolsonaro, mostrando-se bastante irritado, encerrou o evento. “Acabou a entrevista aí”, disse, deixando o recinto junto os ministros e outras autoridades que o acompanhavam na visita» (Camila Nascimento, Política,Veja, 24/02/2021).

Resposta:

O advérbio  é, na sua origem, um advérbio com valor espacial, que contribui para a localização no espaço de uma determinada entidade. Não obstante, por extensão, este advérbio pode adquirir um sentido temporal.

É este fenómeno de derivação de sentido que ocorre na frase apresentada pelo consulente, na qual o advérbio é usado com um valor temporal equivalente a «naquele momento».

Disponha sempre!