Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora
A atividade de escrita nas escolas e os desafios da IA
Aprender a ir além do ChatGPT que escreve um texto

«Os professores e professoras têm noção clara de que os alunos recorrem a chatbots como o ChatGPT para realizar atividades de escrita. Sabem também que a IA está a evoluir a uma rapidez incrível, pelo que é cada vez mais difícil comprovar que um texto foi escrito com a ajuda desta ferramenta ou mesmo integralmente feito por ela. Este facto tem claras implicações no desenvolvimento (ou na estagnação) das competências que se crê serem fundamentais para os alunos, pelo que não é viável continuar a planificar atividades letivas como se a IA não existisse.»

Reflexão da professora e linguista Carla Marques, que é também consultora permanente do Ciberdúvidas, sobre como integrar no ensino básico e secundário do impacto a Inteligência Artificial está a ter nas tarefas escolares. Texto publicado como editorial do n.º 22 (2025) do Boletim dos Sócios  da Associação de Professores de Português e aqui divulgado com a devida vénia.

Discurso Académico: Complexidade Teórica e Diversidade Didática
III Encontro Nacional sobre Discurso Académico (ENDA 3)
Por Carla Marques, Matilde Gonçalves, Noémia Jorge

Discurso Académico: Complexidade Teórica e Diversidade Didática é uma publicação da Grácio Editor e organizada por Carla MarquesMatilde Gonçalves e Noémia Jorge. Reúne um conjunto de artigos que resultam dos contributos apresentados no III Encontro Nacional sobre Discurso Académico (ENDA 3) e que, à semelhança das duas edições anteriores, resultam de investigações recentes sobre discurso académico. Nesta edição, dá-se especial destaque à relação entre elaboração de conhecimento humano e a Inteligência Artificial (IA), uma vez que, segundo as organizadoras, «a propagação da IA e o seu aparecimento no quotidiano, nas escolas e nas faculdades, levam a uma discussão necessária sobre o seu modo de funcionamento, a sua utilização e o seu impacto quer na formação, quer no desenvolvimento da pessoa ao longo da vida» (página 12).  

Em termos estruturais, esta obra está organizada em duas partes: uma primeira parte dedicada à relação entre o discurso académico e a IA, explorando alguns dos desafios inerentes à relação entre IA e os processos de escrita e de investigação. Já a segunda parte discute o tratamento de vários géneros associados a diferentes contextos de aprendizagem.

Na primeira parte, destaca-se o artigo «O que há de artificial na Inteligência Artificial?», da autoria de Carlos Gouveia, que reflete sobre a artificialidade e a potencialidade do uso da IA no contexto académico, defendendo-se que «o potencial de transformação da Inteligência Artificial vem sobretudo...

Pergunta:

Acabei de ler o titular que se segue: «Se o Salgueiro Maia cumprisse a ameaça de destruir o Carmo, teriam morrido centenas de pessoas.»

Gostaria de saber se esse uso do imperfeito do conjuntivo é correto, ou deveria ser «tivesse cumprido», dado que é um facto do passado.

No caso de o uso ser correto, gostaria de saber o porquê.

Muitíssimo obrigada.

Resposta:

Neste caso, é possível usar tanto o pretérito imperfeito como o mais-que-perfeito do conjuntivo, embora este último seja mais comum.

A frase em apreço inclui uma oração subordinada condicional contrafactual, as quais se caracterizam por incluir um antecedente falso, ou seja, a situação de «cumprir a ameaça de destruir o Carmo» não se verificou. Neste caso, o mais frequente é o recurso ao pretérito mais-que-perfeito para marcar esta contrafactualidade. No entanto, é possível marcar a contrafactualidade também com o pretérito imperfeito1, pelo que a opção constante da frase apresentada é também aceitável. 

Disponha sempre!

1. Para mais informações, cf. Lobo in Raposo et al., Gramática do PortuguêsFundação Calouste Gulbenkian, p. 2021.

Pergunta:

Perguntava-vos se na frase «Isso é o que faz alguém "de" herói» há alguma incorreção do ponto de vista sintático?

Obrigado.

Resposta:

A sintaxe mais comum, e portanto preferível, será «Fazer de alguém alguma coisa»:

(1) «Isso faz de alguém um herói.»

Esta estrutura é usada com o valor de atribuir a alguém ou a alguma coisa um determinado valor ou uma determinada função.

Note-se, todavia, que usada sobretudo com valores pejorativos, encontramos a estrutura «fazer alguém de alguma coisa»:

(2) «Fê-lo de parvo.»

(3) «Fez-se de desentendido.»

Disponha sempre!

Pergunta:

Queria perguntar-vos como se diferencia uma disjunção inclusiva de uma disjunção exclusiva. Por exemplo: «as escolas de ensino privado ou cooperativo com contrato de associação».

Se eu quiser dizer «OU escolas privadas OU escolas cooperativas com contrato de associação» (das duas, uma), devo colocar vírgulas depois de «privadas» e depois de «cooperativas»?

Se eu quiser dizer «as escolas privadas OU cooperativas com contrato de associação» (uma, outra ou ambas), devo colocar vírgulas antes do ou e depois de cooperativas?

Obrigado.

Resposta:

De um ponto de vista normativo, não está descrito o uso de vírgulas com orações disjuntivas para distinguir inequivocamente os seus valores.

De uma forma geral, a coordenação disjuntiva pode ter um valor inclusivo, o qual permite que apenas um dos termos se verifique. Em (1), o Pedro pode estar apenas zangado, apenas cansado ou ambos:

(1) «O Pedro está zangado ou cansado.»

A coordenação disjuntiva também pode ter um valor exclusivo, em que apenas um dos termos se verifica. Em (2), não será possível que a pessoa em causa calce, em simultâneo, chinelos e sapatilhas, pelo que apenas um dos termos se verificará:

(2) «Levo chinelos ou sapatilhas.»

Se quisermos reforçar a leitura inclusiva, poderemos usar uma expressão como ambos, que surgirá entre vírgulas:

(1a) «O Pedro está zangando ou cansado, ou ambas as coisas.»

Se pretendermos reforçar a leitura exclusiva, poderemos recorrer a expressões como «mas não ambos»:

(2a) «Levo chinelos ou sapatilhas, mas não ambas as coisas.»

Note-se que estas interpretações estão dependentes de fatores contextuais e do conhecimento do mundo1.

No caso da estrutura em análise, a leitura, por defeito, parece ser a inclusiva, ou seja, o que é dito aplica-se a escolas privadas, a escolas cooperativas ou a ambas. Não obstante, poderá existir conhecimento contextual que favoreça ou a leitura exclusiva, que aponta para o facto de a situação só se aplicar a escolas privadas ou, por outro lado, se aplicar a apenas a escolas cooperativas. Caso se tivesse em vista uma leitura exclusiva, poderia existir uma pausa antes da oração coordenada (acompanhada de uma ligeira inflexão da voz), marcada por vírgula2, como se verifica na frase...