Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

É certo de utilizar a composição de verbo (costumar em imperfeito + infinitivo) em vez de (verbo próprio em imperfeito), quando falamos de ações de passado? Isso dá o mesmo significado?

Por exemplo: «Antigamente costumava jogar ténis» em vez de «Antigamente jogava ténis».

Obrigado.

Resposta:

A construção «costumar (no imperfeito do indicativo) + infinitivo» esta disponível na língua portuguesa.

Na construção «costumava jogar», o verbo jogar descreve a ação desenvolvida pelo locutor, ao passo que o verbo costumar é usado com o valor de «ter determinado procedimento habitual, prática constante; agir repetidamente de determinada maneira» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa), ou seja, introduz na frase um valor modal de situação habitual.

Quando usamos o pretérito imperfeito, normalmente, o valor ativado é o de situação que se repete num determinado intervalo temporal. Será esse o valor presente na frase apresentada em (1), onde se descreve a situação de «jogar ténis» como sendo repetida muitas vezes no passado:

(1) «Antigamente jogava ténis.»

É evidente que, num contexto específico, a frase presente em (1) pode expressar um valor de habitualidade equivalente ao da frase (2), pois o imperfeito também pode ser mobilizado para descrever um valor habitual:

(2) «Antigamente costumava jogar ténis.»

Disponha sempre!

Possessivos e nomes coordenados
Concordância no grupo nominal

Qual a frase que apresenta a concordância correta? «Sentiam admiração pela sua cultura e qualidades» ou «Sentiam admiração pelas suas cultura e qualidades»? A resposta é dada pela professora Carla Marques no seu apontamento semanal.

Pergunta:

Após várias pesquisas, estou bastante confusa... Na classificação morfológica, que tipos de advérbios podemos encontrar?

Obrigada!

Resposta:

Do ponto de vista morfológico, os advérbios são pouco interessantes porque, por norma, são palavras invariáveis e o seu comportamento não motiva a identificação de subclasses relevantes para o estudo da estrutura da palavra ou da sua flexão. Neste campo, poderemos apenas mencionar o estudo dos advérbios formados com o sufixo -mente.

Pelo contrário, o tratamento dos advérbios enquanto classe de palavras é muito rico e tem permitido propostas muito diversificadas e até radicais. A identificação das subclasses pode adotar critérios sintáticos, relacionados com o comportamento das palavras na frase, e/ou semânticos, relacionados com a sua significação.

Os vários programas de português e documentos de referência curricular têm, ao longo do tempo, acusado esta oscilação de propostas teóricas, o que também traz incertezas à prática didática. Em termos diacrónicos, poderemos recordar que, mais recentemente, esteve em vigor a proposta constante do Dicionário Terminológico, documento de referência para os estudos gramaticais no ensino não universitário. Todavia, a entrada em vigor em 2015 do Programa e Metas Curriculares do Ensino Básico trouxe uma proposta distinta, mais próxima da que tradicionalmente se tinha considerado no ensino. Este documento foi, posteriormente, substituído pelas Aprendizagens Essenciais para o Ensino Básico, que, por seu turno, não indicam quais as subclasses do advérbio que devem ser tidas em consideração no ensino, referindo apenas o advérbio como classe a estudar e apontando o advérbio relativo, como subclasse a abordar no 8.º ano de escolaridade (A este propositivo, ver também esta

Pergunta:

Envio breve citação da obra de Aquilino Ribeiro, Terras do Demo:

«Para mais, veio longe o Inverno, cedo saindo das profundas, onde o Diabo o gerou para tormento da Serra, com borrifos, ventania e o carujo lá em cima, entre as barrocas, a fazer manta aos lobos para dizimar os rebanhos. E com ele veio o taró que corta as orelhas e os beiços e o suão que parece uma navalha de salteador a picar, lento e malvado, o corpo todo. Mal se podia arredar passo fora de telha. À noite, no serão — que para poupar creosende Rosa amalhoava com outras na sua loja — todas clamavam que era castigo de Deus pelos muitos pecados dos homens, e que temporais tão duros só podiam ser sinal de fim do mundo. Mimosos e felizardos os que tinham os cabanais bem providos de lenhas, e não lhes faltava carniça e salpicão na salgadeira e batata farinhota no monte!» Terras do Demo, p. 59

O que significa «fazer a manta» neste contexto?

Muito Obrigado.

Resposta:

Podemos interpretar como uma metáfora que indica a formação de nevoeiro denso que escondia os lobos. 

Pelo contexto, a expressão parece querer significar que o vento e tudo o que ele arrastava consigo, em particular o carujo (ou seja, o nevoeiro), davam disfarce aos lobos, que assim tinham as condições ideais para atacarem os rebanhos, pois ficavam escondidos debaixo da "manta" que se formava. 

Disponha sempre!

Pergunta:

Antes de mais, muito obrigada pela utilidade gigantesca desta página.

Uma vez que a palavra frio pode funcionar como adjetivo e nome, estou com dúvidas na construção desta frase comparativa:

Hoje está tanto/ tão frio como ontem.

Deve usar-se tão ou tanto? E será preferível utilizar quanto em vez de como?

Muito obrigada.

Resposta:

Será a interpretação da frase que determinará a seleção de um dos advérbios: tão ou tanto.

Recordemos, antes de mais, que tão e tanto(a/os/as) são advérbios que podem funcionar como o primeiro termo da construção de comparativo de igualdade: «a forma tão surge com adjetivos e advérbios e tanto coocorre com nomes e com verbos:

(1) «Ele é tão simpático quanto a irmã.»

(2) «Ele chegou tão cedo quanto a professora.»

(3) «Ele tem tantos livros quanto a professora.»

(4) «Ele trabalha tanto quanto a irmã.»

Se atentarmos na frase apresentada pela consulente, verificamos que, se não considerarmos a presença da elipse de um elemento, não poderemos considerar frio como adjetivo, visto que não incide sobre um nome. Consequentemente, frio será nome, o que levará ao uso do advérbio tanto:

(5) «Hoje está tanto frio como ontem.»

Se a frase correspondesse ao que se apresenta em (6), na qual frio incide sobre dia, sendo, deste modo, um adjetivo, o advérbio a usar seria tão:

(6) «Hoje está um dia tão frio como ontem.»

Neste contexto, poderemos considerar a possibilidade de a frase apresentada pela consulente poder corresponder a uma construção elítica, na qual se omite o nome dia, mantendo-se frio um adjetivo:

(7) «Hoje está tão frio como ontem.»

De qualquer forma, diga-se que esta será uma frase que só funcionará numa situação comunicativa em que os interlocutores estejam detentores da informação que lhes permita recuperar a informação elidida, não devendo, portanto, ser apresentada como frase prototípica ou ser objeto de análise modelar em contexto escolar.