Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora
Valores da conjunção <i>mas</i>
Do adversativo ao aditivo

Qual o valor da conjunção mas na frase «Fernão Lopes foi um bom historiador, mas também foi um excelente cronista»? Este é o tema do desafio semanal proposto pela professora Carla Marques (divulgado no programa Páginas de Português, da Antena 2, de 30 de março de 2025).

Pergunta:

Na segunda quadra do soneto "Presença bela, angélica figura", de Luís de Camões, há referência à cor dos olhos da mulher retratada.

Gostaria de confirmar se os olhos da amada são negros, como creio, ou verdes.

Na leitura que faço, os seus olhos são negros e de tal modo belos que causam inveja àquelas que têm olhos verdes. É correta esta leitura?

Muito obrigada.

Resposta:

Com efeito, no soneto "Presença bela, angélica figura", de Luís de Camões, os olhos da amada são negros.

Nesta composição, Camões não segue o modelo petrarquista de mulher de olhos azuis. Tal como acontece em diversas outras composições, Camões explora outras formas de beleza, que, neste caso, correspondem à cor negra dos olhos (tal como se observa nas endechas a Bárbara escrava), o que fica patente na segunda estrofe: 

«olhos, onde tem feito tal mistura
em cristal branco o preto marchetado,
que vemos já no verde delicado
não esperança, mas enveja escura;»

Noutros casos, o elogio é feito aos olhos verdes, tal como acontece no vilancete "Menina dos olhos verdes").

Disponha sempre!

Pergunta:

Há vários manuais do 10.º ano que, naturalmente, contêm poemas em redondilha de Camões. Todavia, existem diversos vilancetes que, nos referidos manuais, contêm a designação cantiga a encimá-los. Gostaria de saber a razão por que tal sucede: classificam-se como vilancetes, mas os manuais intitulam-nos "cantigas".

Muito obrigado!

Resposta:

No âmbito da poesia camoniana, encontramos poemas em medida velha, designação que engloba estruturas poéticas como a esparsa, as endechas, o vilancete ou a cantiga.  Estas composições de natureza tradicional são produzidas com duas medidas: a redondilha menor, designação que refere os poemas com versos de cinco sílabas métricas; a redondilha maior, termo que descreve os versos de sete sílabas métricas.

Quando se utilizam classificações como vilancete ou cantiga, está-se a ter em consideração o critério da estrutura poética (número de versos e estrofes). Assim, os vilancetes caracterizam-se por ter um mote de dois ou três versos e glosas de sete versos (normalmente). Por seu turno, as cantigas apresentam um mote de quatro ou cinco versos e glosas de oito, nove ou dez versos. Tendo em atenção estes critérios, o poema “Descalça vai para a fonte” é um vilancete, ao passo que o poema “Foi-se gastando a esperança” é uma cantiga.

Disponha sempre!

Pergunta:

Gostaria de saber se na frase «Só que agora quase não conversavam, era como se uma invisível cortina os separasse», retirada da obra O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, também podemos aceitar que existe uma metáfora?

Efetivamente, há uma comparação e penso que será só este recurso. Do meu ponto de vista, a expressão «era como» estabelece a comparação, que dá ênfase ao silêncio e ao afastamento que havia entre os dois seres («invisível cortina»).

Muito obrigada pela atenção.

Resposta:

Na frase em apreço, está presente uma comparação.

A metáfora e a comparação são dois recursos expressivos que assentam num processo de analogia entre duas realidades.

Os dois recursos distinguem-se, no entanto, pelo facto de a comparação construir uma analogia com base na aproximação sintática de dois termos, que, não raro, se relacionam por meio da conjunção como (ou similar) enquanto a metáfora constitui um processo de «substituição por denominação, na qual um termo designa outro termo figurado similar»1.

Assim sendo, na frase em análise, observamos que a situação de «não conversar» é associada sintaticamente à realidade «cortina invisível a separar», sendo esta relação explicitada pela conjunção como. Estamos, deste modo, perante um processo de construção de comparação, que aproxima uma realidade, a inexistência de diálogo, a uma imagem, a de uma cortina invisível. 

Disponha sempre!

 

1. Paul Ricoeur, como citado em E-dicionário de Termos Literários, coord. de Carlos Ceia.

A pronúncia do termo latino <i>incipit</i>
A influência da ortoepia latina

A pronúncia do termo latino incipit dá matéria ao desafio desta semana, proposto pela professora Carla Marques (divulgado no programa Páginas de Português, da Antena 2, de 23/03/2025).