Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora
Ámen ou amém?
Pronúncia e grafia

Qual das duas forma está correta? Amém, com m no final, ou ámen, com n no final? Esta é a questão tratada pela professora Carla Marques neste seu apontamento (divulgado no programa Páginas de Português, da Antena 2, em 7 de abril de 2024). 

Pergunta:

Em contexto político ou governativo, os nomes deputado, mandato e eleito podem ser termos sinónimos?

Ou será que existem diferenças de significado?

O seguinte texto, extraído do website do jornal Expresso (11/03/2024) parece estabelecer uma sinonímia entre os termos:

«No domingo, a Aliança Democrática (AD), liderada por Luís Montenegro, venceu as eleições legislativas, com 29,49% dos votos e 79 deputados, à frente de PS, de Pedro Nuno Santos, segundo mais votado, com 28,66% e 77 eleitos, e Chega, de André Ventura, com 18,06% e 48 mandatos, de acordo com os resultados provisórios, faltando ainda atribuir os quatro mandatos pela emigração.»

Resposta:

As palavras não são termos sinónimos, na medida em que, na relação que estabelecem, não são palavras equivalentes entre si.

Não obstante, em contexto, as palavras em questão estabelecem diferentes tipos de relações entre si que as aproximam.

Assim, entre deputado e mandato existe um tipo de metonímia que relaciona as palavras. A metonímia é «[e]m sentido lato, é a figura de linguagem por meio da qual se coloca uma palavra em lugar de outra cujo significado dá a entender. Ou a figura de estilo que consiste na substituição de um nome por outro em virtude de uma relação semântica extrínseca existente entre ambos. Ou, ainda, uma translação de sentido pela proximidade de ideias» (Ceia, E-dicionário de Termos Literários). Neste caso, mandato substitui deputado designando algo que foi atribuído a este último.

Entre deputado e eleito, podemos também identificar um tipo de metonímia que relaciona causa e efeito, porque o deputado é-o porque foi eleito.

Em conclusão, são lícitos os usos descritos.

Disponha sempre!

Pergunta:

Na frase "Vão direito a casa e daí a pouco toda a aldeia dorme.", extraída do conto "Sempre é uma companhia", de Manuel da Fonseca, o recurso expressivo presente é uma metonímia.

Porquê?

Na minha opinião seria uma personificação.

Como identificar, então, corretamente uma metonímia?

Obrigada pela atenção.

Resposta:

Na frase apresentada identificamos uma metonímia.

(1) «Vão direito a casa e daí a pouco toda a aldeia dorme.» (Sempre é uma companhia", Manuel da Fonseca)

Este recurso consiste no emprego de uma palavra por outra, com a qual mantém uma relação de continuidade de sentido. Neste caso, o sintagma «a aldeia» é usado em lugar de habitantes (que vivem na aldeia).

A personificação, por seu turno, é um recurso expressivo que consiste «em atribuir qualidades, comportamentos, atitudes e impulsos humanos a coisas ou seres inanimados e a animais irracionais» (E-dicionário de termos literários). Ora, neste caso, não estamos perante uma personificação porque a aldeia não é apresentada como tendo atitudes ou comportamentos próprios de humanos. Trata-se antes de uma transferência de uma situação de quem a faz para o local onde é feita.

Disponha sempre!

Pergunta:

Qual a modalidade e valor modal presentes na frase «Penso que é o problema mais complexo da literatura portuguesa, aquele que requer maior especialização.» (retirada do artigo "A floresta de Camões desbravada", de Luís Miguel Queirós, e publicada no Público).

Na minha perspetiva, pode subentender-se que o locutor exprime certeza relativamente à afirmação que profere, logo estaríamos perante a modalidade epistémica com valor de certeza.

Mas poderá ser que a utilização do verbo pensar remeta para a ideia de possibilidade?

Resposta:

Na frase está presente a modalidade epistémica com valor de certeza.

Pensar é um verbo epistémico (ou de crença), semelhante a julgar, acreditar. Sem outro elemento que nos leve à interpretação de que a crença que se expressa no enunciado não é dada como certa, diremos que a modalidade presente na frase é a epistémica com valor de certeza.

Note-se, por exemplo, que o uso do verbo pensar com modo conjuntivo já poderá indicar a presença do valor de probabilidade:

(1) «Penso que seja um problema complexo.»

Disponha sempre!

Pergunta:

Agradecia que me clarificassem quando «garantir que...» pede conjuntivo.

As seguintes frases não me parecem corretas:

a) «Como vamos garantir que todos os que nos procuram serão tratados com a dignidade e a humanidade que merecem?»

Não devia ser «SEJAM tratados»?

b) «Como garantir que a inteligência artificial será ética e segura?»

c) «Temos agora de garantir que os governos respondem à chamada.»

d) «Como garantir que Portugal ficará pobre para sempre?»

Obrigadíssima.

Resposta:

A construção «garantir que» pode incluir na oração completiva tanto o modo indicativo como o modo conjuntivo.

O indicativo permite apresentar uma situação real (que aconteceu ou vai acontecer):

(1) «Como vamos garantir que todos os que nos procuram serão tratados com a dignidade e a humanidade que merecem?»

(2) «Como garantir que a inteligência artificial será ética e segura?»

(3) «Temos agora de garantir que os governos respondem à chamada.»

(4) «Como garantir que Portugal ficará pobre para sempre?»

A opção pelo modo conjuntivo marcará uma situação hipotética, não dada como factual:

(5) «Como vamos garantir que todos os que nos procuram sejam tratados com a dignidade e a humanidade que merecem?»

(6) «Como garantir que a inteligência artificial seja ética e segura?»

Nas frases (3) e (4), o conjuntivo não parece muito aceitável, talvez porque se faça referência a uma situação real.

Disponha sempre!