Pergunta:
Desejava esclarecer uma dúvida sobre a apóstrofe, recurso expressivo.
Sabemos «que consiste na interrupção do discurso para invocar, através do vocativo, alguém ou algo a que se se atribuem características de pessoa» (in Dicionário Breve de Termos Literários, de Olegário Paz e António Moniz), ou «RETÓRICA – recurso estilístico que consiste numa interpelação, geralmente exclamativa, a algo (normalmente personificado) ou alguém (usualmente ausente), por norma realizada através da utilização do vocativo e do discurso direto e destinada a conferir vivacidade e/ou realismo ao discurso» (apóstrofe, Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa).
A dúvida é a seguinte:
– Na estância 133, do Canto III, d’Os Lusíadas, a apóstrofe está apenas no vocativo, «ó sol», ou no conjunto dos versos 1 a 4 da mesma estância? O mesmo se dirá da apóstrofe aos «côncavos vales» – a apóstrofe está apenas no vocativo, «ó côncavos vales», ou no conjunto dos versos 5 a 8 da referida estância?
De acordo com a primeira definição, sim, o recurso está apenas no vocativo. Porém, a interpelação ao «sol» ou aos «côncavos vales» está presente no conjunto dos versos que indico.
Antecipadamente, grata pela atenção.
Resposta:
Se colocarmos os versos da estância 133, do Canto III d’Os Lusíadas na ordem natural, obteremos a frase que se apresenta em (1)
(1) «Ó Sol, bem puderas apartar teus raios da vista destes aquele dia, como da seva mesa de Tiestes, quando comia os filhos por mão de Atreu.»
A ordem natural da frase mostra-nos que o constituinte «ó Sol» é autónomo, não tendo outros constituintes subordinados. Este constituinte desempenha a função sintática de vocativo e corresponde ao recurso expressivo designado apóstrofe.
Na segunda frase da estância, tem lugar uma situação idêntica, uma vez que o constituinte «Ó côncavos vales» é também autónomo, desempenhando a função sintática de vocativo e correspondendo estilisticamente à apóstrofe:
(2) «Ó côncavos vales, vós, que pudestes ouvir da boca fria a voz extrema, repetistes por muito grande espaço o nome do seu Pedro, que lhe ouvistes!
Disponha sempre!