Aura Figueira - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Aura Figueira
Aura Figueira
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Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, com uma pós-graduação em Ciências da Documentação e da Informação, variante de Biblioteconomia. É professora de português dos ensinos básico e secundário. 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Quanto à classificação do verbo considerar – assunto tratado em 10/1/2018 –, tenho algumas considerações a fazer, que são as seguintes:

1 – O verbo considerar pode ser transobjetivo: «O lavrador considerou o cão bonito» (considerou-o bonito).

2 – Assim sendo, se quisermos omitir o agente, podemos criar a frase «Considerou-se bonito o cão» (voz passiva com a particularidade de ocorrer um predicativo («bonito») do sujeito («cão»). Não é o cão que se considera bonito, mas é ele assim considerado. Portanto, quanto a esta frase dada como exemplo «agramatical», quero crer que não o seja, assim como «As paredes da casa consideram-se agradáveis» ou, invertendo-se a ordem: «Consideram-se agradáveis as paredes da casa», e, estendendo-se: «O lavrador considerou agradáveis as paredes da casa».

3 – Sem contar o fato da seguinte frase: «O lavrador considerou-se apto ao trabalho», na qual temos um complemento direto (se) e um predicativo do complemento direto. Mas se trata de uma análise diferente de uma estrutura frasal idêntica a «Considerou-se o lavrador apto ao trabalho.» Antepondo-se ou não o sujeito ao verbo, pode-se dar uma interpretação semântica diferente, o que é interessante.

Resposta:

assunto tratado a 10/1/2018 era a resposta a uma dúvida quanto à classificação do verbo considerar-se como copulativo e foi apenas esse aspeto que foi abordado.

No entanto, o verbo considerar, noutros contextos, como, por exemplo, os apresentados, tem outras classificações ¹:

  • verbo transitivo direto - Ex: «O diretor considerará todos os cenários possíveis.»²
  • verbo transitivo indireto - Ex: «Os politicólogos consideram sobre a crise partidária.»²
  • verbo transitivo-predicativo - Ex: «A Igreja católica considera todos os batizados filhos de Deus.»²
  • verbo intransitivo - Ex: «Só quando surgem problemas, ele passa algum tempo a considerar.»²

Passaremos agora a responder aos pontos da questão do consulente:

1. Na frase «O lavrador considerou o cão bonito», o verbo considerar é transitivo-predicativo, pois «cão» desempenha a função sintática de complemento direto e «bonito» a de predicativo do complemento direto.

2. Tendo em conta que todas as definições de considerar apontam para o uso da razão, do pensamento, da reflexão, inerentes ao homem, conclui-se que é um verbo que não admite sujeito que não seja humano, razão pela qual a frase «*O cão considerou-se bonito.» foi apresentada como exemplo de agramaticalidade na resposta de 10/1/2018.

Nas frases «Considerou-se bonito o cão.» e «Consideram-se agradáveis as paredes da casa.», independentemente da ambiguidade conferida pela

Pergunta:

Na frase «Ninguém está isento de contribuir para melhorar o futuro do país.», a função sintática de predicativo do sujeito é desempenhada por «isento», «isento de contribuir» ou «isento de contribuir para melhorar o futuro»?

Resposta:

   Segundo Evanildo Bechara, uma das particularidades que identifica o predicativo do sujeito «é a possibilidade de comutação do predicativo pelo pronome invariável o, qualquer que seja o gênero e o número do núcleo do predicativo que substitui, quando o verbo é ser, estar, ficar e parecer:

                        O trabalho é proveitoso. – O trabalho o é.

                          As alegrias eram passageiras. – As alegrias o eram.

                         Janete é minha irmã -– Janete o é

      Se substituirmos o predicativo do sujeito pelo pronome o, obtemos:

  1.   «*Ninguém o está de contribuir para melhorar o futuro do país.»
  2.   «*Ninguém o está para melhorar o futuro do país.»
  3.   «Ninguém o está.»

    Portanto, conclui-se que o predicativo do sujeito da frase em análise é constituído pelo adjetivo «isento», pelo complemento que este seleciona, «de contribuir», e pela oração subordinada adverbial final que faz parte desta frase complexa.

 

Pergunta:

«Deixarei para estudar quando começar as aulas» ou «Deixarei  para estudar quando começarem as aulas.»?

Grato antecipadamente.

Resposta:

        Na frase apresentada, o verbo começar está conjugado no futuro do conjuntivo, exprimindo uma eventualidade projetada num tempo posterior ao da enunciação, como se pode até verificar pela utilização do advérbio quando. Este é um tempo em que a forma verbal se conjuga em todas as pessoas, pelo que as duas possibilidades estão corretas, dependendo da interpretação:

       1. «Deixarei para estudar quando [eu – sujeito subentendido] começar as aulas.»

       2.  «Deixarei para estudar quando começarem as aulas [as aulas – sujeito].»

Pergunta:

Com as mudanças/retificações nas Metas Curriculares, acompanhadas pela publicação de muitas gramáticas, verifico não haver consenso quanto à inclusão do modificador no predicado. Daí a questão: o modificador (seja ele "do grupo verbal" ou "de frase", conforme terminologia anterior) integra ou não o predicado?

Obrigada pelo esclarecimento.

Resposta:

Da leitura dos Programas e Metas Curriculares de Português dos Ensinos Básico e Secundário, concluímos que os alunos apenas devem saber identificar o modificador, não existindo qualquer referência à distinção entre modificador do grupo verbal ou de frase, como surge no Dicionário Terminológico (DT), o atual instrumento regulador dos termos e conceitos relativos ao funcionamento da língua. Neste, podemos entender a diferença pela hierarquia que é apresentada, visto que a explicação e os exemplos são exatamente os mesmos para um e para outro.

Tentando responder de forma simples à sua questão, o modificador de frase subordina-se a toda a oração, não fazendo, portanto, parte do predicado:

♦ «Na minha opinião, as crianças deviam ter ido para a cama mais cedo.» (Gramática do Português)

Pergunta:

Gostaria de saber se o verbo considerar-se é um verbo copulativo.

E, uma vez que estou a questionar, queria também aprender, de uma forma pragmática, a distinção entre complemento do nome e modificador restritivo do nome (MNR).

Obrigada.

Resposta:

      O Dicionário Terminológico considera «verbos copulativos os seguintes: ser, estar, ficar, parecer (como em "parecer doente"), permanecer, continuar (como em "continuar calado"), tornar-se e revelar-se.» No entanto, integrando os verbos uma classe aberta de palavras, poderão fazer parte desta lista os verbos que, cumulativamente, possuam duas propriedades, segundo a Gramática do Português, da Fundação Calouste Gulbenkian, Vol.II, p.1301 «(i) a possibilidade de o verbo ocorrer com qualquer tipo semântico de sujeito e (ii) a possibilidade de o verbo ocorrer num sintagma verbal em combinação única e exclusiva com um adjetivo.»

        Vejamos os exemplos com o verbo considerar-se:

  1. O homem considera-se bonito.
  2. *O cão considera-se bonito.
  3. *As paredes da casa consideram-se agradáveis.

           *Símbolo de agramaticalidade/frase não aceitável

       Verifica-se que o verbo considerar-se não possui uma das propriedades acima indicadas, a de ocorrer com qualquer tipo semântico de sujeito, pelo que não o poderemos classificar como um verbo copulativo.

       Quanto à sua segunda questão, recomenda-se a leitura da resposta dada