Aura Figueira - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Aura Figueira
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Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, com uma pós-graduação em Ciências da Documentação e da Informação, variante de Biblioteconomia. É professora de português dos ensinos básico e secundário. 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

A minha pergunta prende-se com a hipótese de concordar certas palavras em número. Por exemplo, nesta frase: «Primeiro melhora-se as componentes individuais», deve o verbo melhorar ser escrito desta forma, ou assim: «melhoram-se», fazendo a concordância em número com o complemento direto?

Resposta:

A frase apresentada insere-se nas frases passivas pronominais, segundo a Gramática do Português, em que o pronome se ocorre ligado a um verbo transitivo direto («melhoram») que concorda em pessoa e número com um sintagma nominal que corresponde ao complemento direto da frase ativa equivalente e que, na passiva, desempenha a função de sujeito.

Como tal, o sujeito da frase apresentada é «as componentes individuais», pelo que o verbo deve ser conjugado no plural. 

Desta forma, a frase deverá ser:  «Primeiro, melhoram-se as componentes individuais.»

Pergunta:

Uso de «mais um ingresso» ou «um ingresso mais». Gostaria de saber qual desses é o mais correto ou se gramaticalmente estão corretos os dois.

Obrigada.

Resposta:

Na expressão em dúvida, a palavra mais é um advérbio que exprime a ideia de maior quantidade. Sendo o advérbio, «fundamentalmente, um modificador do verbo»*, ele é colocado junto da palavra cujo sentido intensifica ou altera.

Relativamente ao advérbio "mais", esclarecem Pilar Vázquez Cuesta e Maria Albertina Mendes da Luz, na sua Gramática da língua portuguesa: «mais, em português, segue imediatamente o verbo (...)

Escrevi mais um livro.»

Desta forma, embora sem conhecer a frase em que se insere, o mais correto será usar a expressão mais um ingresso.        

* in Nova Gramática do Português Contemporâneo, Celso Cunha e Lindley Cintra

Pergunta:

O nome do filme deverá ser "O Desespero de Um Solteiro!" (o Um seria numeral com inicial maiúscula) ou "O Desespero de um Solteiro!" (o um seria artigo com inicial minúscula)? Acredito que ambos estejam igualmente corretos, mas qual o mais recomendado e por que razão?

Desde já, muito obrigado a vocês por toda a atenção e interesse e um abraço!

Resposta:

O mais correto será fazer a sua opção tendo conhecimento do texto do Acordo Ortográfico de 1990, que, no que respeita aos títulos, diz o seguinte, na sua Base XIX:

«c) Nos bibliónimos/bibliônimos (após o primeiro elemento, que é com maiúscula, os demais vocábulos podem ser escritos com minúscula, salvo nos nomes próprios nele contidos, tudo em grifo): O Senhor do Paço de Ninães, O senhor do paço de Ninães, Menino de Engenho ou Menino de engenho, Árvore e Tambor ou Árvore e tambor.»

Aconselha-se, naturalmente, a uniformização da opção tomada, conforme o gosto pessoal e/ou a norma de estilo da entidade em causa. 

Pergunta:

1) Quando procuro no Regime Preposicional de Verbos a regência de «tornar-se», aparece a preposição «em». Mas existem casos em que não é necessário utilizar preposição, correto? Por exemplo: «As casas pequenas tornavam-se grandes, e as grandes tornavam-se pequenas. Outras casas tornavam-se hospitais, e havia umas que se tornavam casa de férias.» Estão corretas assim, ou devem levar preposição?

2) No caso de «navegar», não encontrei, o que quererá dizer que não tem. No entanto, vejo muitas vezes utilizarem «em» («Os mares ficaram poluídos, tornou-se impossível navegar neles») ou «por» («É impossível navegar pelos mares»). Qual está correta, «em», «por» ou nada («navegar os mares»)? Ou todas, dependendo do país ou significado?

3) Quanto a «tocar», penso que será «em», mas vejo muito «tocou-lhe a cara». É correto?

Resposta:

    Todas as frases que apresenta como exemplo são corretas, em virtude de os verbos em análise admitirem a realização sem preposição ou com regências diversas. De acordo com as consultas efetuadas*, a ocorrência de um verbo com ou sem preposição pode depender do contexto, veiculando um novo significado ao verbo e alterando o sentido da frase, mas isso nem sempre acontece, ou seja, diferentes regências podem traduzir uma única aceção ou uma mesma regência pode implicar significados diversos, identificados pelo contexto. 

     Vejamos o caso do verbo tocar

  • intransitivo

             «Os sinos tocavam.» 

  • transitivo direto

             «O avião tocou o solo às 14h.» 

             «Tocou uma sonata de Chopin.» 

  • transitivo indireto, podendo construir regência com várias preposições:

               em

                «Ele não admitia que tocassem no filho.» 

                «tocar na honra» 

              com

Pergunta:

Tenho dúvida se alguma das seguintes frases estará correta:

1) «Tenho um documento que me pediram que te entregasse.»

2) «Tenho um documento que me pediram para lhe entregar.»

3) «Tenho um documento que me pediram que te fizesse chegar.»

4) «Tenho um documento que me pediram que lhe fizesse chegar.»

Qual das formas estará mais correta? Certamente que o tratamento na 2.ª pessoa do singular (te) ou na 2.ª pessoa do plural (lhe, como se fosse "vos" entregasse) dependerá da relação que o interlocutor tem com a pessoa que aborda.

Mas ainda pergunto, para além disso, sendo esse pedido formulado por uma pessoa para entregar o documento a outrem, se estará correta a conjugação do verbo entregar na frase 1)  «entregasse»? O que realmente quero é ocultar quem faz esse pedido, e suponho que, em vez de dizer «X pediu-me que te entregasse isto», se disser «Tenho um documento que me pediram que te entregass»", não revelo a pessoa que faz o pedido.

 Por outro lado, se, em vez de "entregasse", estivesse "entregassem", estaria errado?

Perdoe-me a minha ignorância gramatical. Não sei se estou a confundir alguns conceitos, ainda assim, gostaria de ser esclarecido sobre este caso que expus. Obrigado pela atenção.

Resposta:

Todas as frases são igualmente corretas.

Relativamente à frase 1. «Tenho um documento que me pediram que te entregasse.»

O verbo entregar foi adequadamente conjugado na primeira pessoa do singular do pretérito imperfeito do conjuntivo na oração subordinada substantiva completiva («que te entregasse») , uma vez que o sujeito, com o qual a forma verbal tem de estabelecer concordância, é nulo subentendido (eu – o mesmo da oração subordinante). O modo utilizado deve ser o conjuntivo visto que, além de ser «por excelência o modo da oração subordinada[…] Usa-se geralmente o conjuntivo quando a oração principal exprime: a)  a vontade (nos matizes que vão do comando ao desejo)».*

Quanto ao facto de pretender manter oculta a identidade de quem fez o pedido, essa circunstância não afeta, de forma nenhuma, a clareza e correção da frase.

 

Nova Gramática do Português Contemporâneo, Celso Cunha e Lindley Cintra, p. 466