Ana Rita B. Guilherme - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Ana Rita B. Guilherme
Ana Rita B. Guilherme
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Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas-Estudos Portugueses e Ingleses pela Faculdade de Letras de Lisboa; mestre em Linguística Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; investigadora do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Sendo brasileiro, vivendo em Portugal, tenho interesse em saber se há alguma regra culta por trás do uso da expressão «eu gostava de...» ao invés da forma «eu gostaria que...» em uso no Brasil.

As duas formas são correctas? No Brasil, a segunda forma é considerada errônea.

Obrigado.

P. S.: Perdão pelo uso do gerúndio na pergunta, mas acredito que seja gramaticalmente correcto, apesar do seu não uso em Portugal.

Resposta:

Antes de mais, o consulente não precisa de se culpabilizar pelo uso do gerúndio na questão, porque, embora não seja frequente em português europeu, é correcto e é uma idiossincrasia do português-padrão brasileiro.

Em relação à questão propriamente dita, o verbo gostar rege a preposição de («gosto de cinema», «gosto de ler», «não gosto de chuva», «gostava de ir aos Himalais», «gostava de fazer um inter-rail», etc).

Todavia, quando se utiliza o verbo gostar para elaborar um pedido, em português europeu, há uma tendência crescente para a perda da preposição (de). Isto acontece, em grande parte, porque há uma disposição natural para a simplificação das estruturas linguísticas por parte dos falantes. Veja-se os seguintes exemplos:

(i) «Gostava (de) que me fizesse um favor.»

(ii) «Gostava (de) que me redigisse um texto.»

Ou seja, neste tipo de frases, ambas as formas estão correctas, com ou sem preposição, e a omissão de preposição neste tipo de construções não é entendida como agramatical.

No que diz respeito ao uso do condicional ou do pretérito imperfeito, também ambos estão certos. O pretérito imperfeito pode ser considerado mais informal, e o condicional, mais formal, erudito. O mesmo acontece quando se utiliza o verbo gostar para exprimir um desejo, ou um plano. As duas formas são aceites:

(i) «Gostava de ir as Himalais.»/«Gostaria de ir aos Himalias.»

No entanto, neste tipo de construções, a preposição é obrigatória.

Sempre ao seu dispor.

Pergunta:

Estou a enviar este e-mail para solicitar informações sobre a origem do apelido Balula.

Eu próprio já tentei descobrir qual a origem do apelido, mas até agora não tive sucesso... Podem me ajudar a satisfazer esta minha curiosidade?

Algumas investigações rudimentares efectuadas por mim "indicam" que será nome de origem no Médio Oriente.

Resposta:

Segundo José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, a origem do apelido Balula é obscura. O autor sugere que possa estar relacionado com o antropónimo medieval Bahalul, que, em documentos portugueses, surge atestado pela primeira vez em 943 («Pedro, presbítero cognomento de Bahalul). Ainda de acordo com José Pedro Machado, Leite de Vasconcelos, na Antroponímica Portuguesa, refere que o «primeiro elemento do nome é sem dúvida semítico».

Sempre ao seu dispor.

Pergunta:

Em:

«Tivemos a possibilidade de nos aproximarmos.»

«Tivemos a possibilidade de nos aproximar.»

Qual é o certo?

Resposta:

A frase mais correcta é: «Tivemos a possibilidade de nos aproximar.»1 A  frase em questão é composta por uma oração principal — «Tivemos a possibilidade (de)» — e por uma oração subordinada completiva — «nos aproximar». Saliente-se que o verbo da oração principal («tivemos») se comporta como verbo leve2, formando com o seu complemento directo («a possibilidade») um predicado complexo («ter a possibilidade»). Esta construção admite apenas orações subordinadas completivas de infinitivo preposicionadas («de nos aproximar»). Além disso, tais orações infinitivas (ou não finitas) mostram preferência pelo infinitivo impessoal, visto o respectivo sujeito ter a mesma referência que o da subordinante, ou seja, «nós».

Sempre ao seu dispor.

1 Não se pode dizer que «Tivemos a possibilidade de nos aproximarmos» constitua uma clara agramaticalidade, por causa do comportamento particular dos infinitivos a que se associam pronomes reflexos. Ver resposta Concordância em orações de infinitivo, novamente.

2 Sobre verbo leve, ver resposta Fazer enquanto verbo-suporte.

Pergunta:

Quero confirmar ou saber se a palavra pois pode ser utilizada para iniciar frases ou se somente pode-se utilizá-la como um conjuntor. Exemplo:

«Louvamos a plena e sábia decisão dos maiores juízes do Brasil. Pois, acertaram ao manter tal norma. A democracia brasileira agradece.»

Ou:

«Louvamos a plena e sábia decisão dos maiores juízes do Brasil, pois, acertaram ao manter tal norma. A democracia brasileira agradece.»

Resposta:

Pois é classificado como uma conjunção coordenativa, que pode ter valor explicativo ou conclusivo. Como tal, esta conjunção deverá ser utilizada no início da oração coordenada, porque desempenha precisamente a função de conector, isto é, a de ligar duas orações. Deste modo, nas frases em causa, pois tem o valor de conjunção coordenada explicativa, e o modo correcto de a utilizar no princípio da oração que introduz será sem vírgula à direita:

(i) «Louvamos a plena e sábia decisão dos maiores juízes do Brasil, pois acertaram ao manter tal norma. A democracia brasileira agradece.»

No entanto, existem certas conjunções, principalmente as adversativas, que podem surgir no início de uma frase:

(ii) «Está a chover! Mas vou sair à mesma.»

Quero apenas chamar a atenção para que pois, quando conjunção coordenada conclusiva, isto é, quando introduz uma oração que  exprime consequência, terá de surgir sempre posposto a um elemento dessa oração. Veja-se o seguinte exemplo:

(iii) «Houve muitas dificuldades, e o trabalho foi feito, pois, com muito sacrifício e com muito suor.»

É também possível suprimir a conjunção e em (iii) e obter uma sequência de duas frases independentes:

(iv) «Houve muitas dificuldades. O trabalho foi feito, pois, com muito sacrifício e com muito suor.»

Em (iv), a conjunção pois é um conector frásico, um pouco à semelhança de mas em (ii), apesar de aparecer depois do predicado («foi feito»).

Observe-se, porém, que em português europeu a palavra pois também pode ...

Pergunta:

«Quando foi comprar os bilhetes, ouviu chamar (chamarem) seu nome.»

Na frase acima, ambas as formas do infinitivo estão corretas?

Obrigado.

Resposta:

Sim, ambas as formas estão correctas. Embora o uso do infinitivo flexionado se utilize em determinados contextos, na generalidade, o seu uso depende mais da ênfase que se der à frase, sendo possível optar entre o infinitivo flexionado e não flexionado. Vejamos os contextos em que surge o infinitivo flexionado:

(i) Quando tem sujeito expresso:
«O pior é tu não perceberes que não consegues fazer isso sozinho»;

(ii) Quando se refere um agente não expresso, mas que se quer dar a conhecer através da desinência pessoal:
«Penso que é melhor não comprares isso»;

(iii) Quando, na 3.ª pessoa do plural, indica a indeterminação do sujeito:
«Ouvi dizerem que eles estavam aqui»;

(iv) Quando se quer dar maior ênfase à frase:
«Aqueles homens gotejantes de suor, bêbados de calor, desvairados de insolação, a quebrarem, a espicaçarem, a torturarem a pedra (...)» (Cunha, C., Lindley, C., Nova Gramática do Português Contemporâneo).

Sempre ao seu dispor.