Ana Martins - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Ana Martins
Ana Martins
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Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas – Estudos Portugueses, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e licenciada em Línguas Modernas – Estudos Anglo-Americanos, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Mestra e doutora em Linguística Portuguesa, desenvolveu projeto de pós-doutoramento em aquisição de L2 dedicado ao estudo de processos de retextualização para fins de produção de materiais de ensino em PL2 – tais como  A Textualização da Viagem: Relato vs. Enunciação, Uma Abordagem Enunciativa (2010), Gramática Aplicada - Língua Portuguesa – 3.º Ciclo do Ensino Básico (2011) e de versões adaptadas de clássicos da literatura portuguesa para aprendentes de Português-Língua Estrangeira.Também é autora de adaptações de obras literárias portuguesas para estrangeiros: Amor de Perdição, PeregrinaçãoA Cidade e as Serras. É ainda autora da coleção Contos com Nível, um conjunto de volumes de contos originais, cada um destinado a um nível de proficiência. Consultora do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa e responsável da Ciberescola da Língua Portuguesa

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Estou no terceiro ano do curso de Letras, e a nossa professora de Gramática nos propôs o seguinte problema: analisar sintaticamente a palavra na frase «Só Deus salva!». Depois de pesquisas em livros de José Rebouças Macambira e Evanildo Bechara, pude chegar a três possibilidades: adjunto adverbial de exclusão, palavra denotativa com sentido de exclusão e ainda adjunto adnominal em construção bimestre, que, segundo Macambira em A Estrutura Morfossintática do Português, é «aquela em que o adjunto adnominal pode ser expresso por quase todas as classes morfológicas» exceto conjunções e interjeições.

Como vocês resolveriam essa análise?

Obrigada.

Resposta:

Na Nomenclatura Gramatical Brasileira (usada, por exemplo, em Evanildo Bechara – Lições de Português pela Análise Sintática, 16.ª ed., 2001, Ed. Lucerna: p. 76, 79), cumpre, na frase, a função de adjunto adnominal: a interpretação de exaustividade recai sobre a entidade designada pelo nome Deus, que é núcleo de sujeito.

Confronte com:

«Deus só salva» (= a única coisa que Deus faz é salvar)

em que interpretação de exaustividade recai sobre a a{#c|}ção expressa pelo grupo verbal.

Tome nota de que «palavra denotativa» (Lindley Cintra e Celso Cunha – Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 548) é uma classificação morfossintá{#c|}tica e não a identificação da função sintá{#c|}tica desempenhada pelo advérbio num determinado contexto frásico.

Que reacções merece a omnipresença de erros de língua na imprensa? É o que questiona este artigo.

Em pouco mais de dez minutos de consulta da imprensa online diária, detectei, sem intenção, três erros grossos:

«Taxas Euribor caiem pelo segundo dia consecutivo» (Diário Digital, 14/10/08)  –  o correcto é caem.
«Os banqueiros portugueses defendem a necessidade dos bancos se puderem financiar» (Sol, 14/10/08) – o correcto é de os, e o que a seguir devia estar escrito era poderem e não puderem.

Sobre o desconhecimento do léxico por parte dos profissionais da língua — mais um exemplo.  Artigo publicado no semanário Sol de 11 de Outubro de 2008, na coluna Ver como Se Diz.

 

Pergunta:

A frase a que se reporta a minha questão é:

«AIPAII-algarve, Associação para a Implementação de Projectos de Apoio e Integração para Imigrantes do Algarve»

Centro da questão a levantar (na parte final da frase): «... do Algarve...» ou «... no Algarve»?

Que associação é esta? Dos «imigrantes» algarvios ou dos «emigrantes» algarvios?

Dos imigrantes (de outros países) que tenham uma relação (preposicional) de pertença (e não de origem) ao Algarve — «do Algarve» — (ainda que não meramente de natureza geográfica — «imigrantes no Algarve»)?

É uma associação do Algarve (algarvia)? Ou é uma associação de... imigrantes-do-Algarve ?

Do de origem, ou do de lugar, ou do de pertença do Algarve?

Agradeço as vossas boas opiniões.

Disponível para esclarecimentos adicionais, se necessário.

Resposta:

O sintagma «Associação para a Implementação de Projectos de Apoio e Integração de Imigrantes do Algarve» tem como núcleo o nome associação, que selecciona os complementos preposicionais «para a Implementação de Projectos de Apoio e Integração de Imigrantes» e «do Algarve». Assim, «do Algarve» não é um complemento seleccionado por «imigrantes». Mais simplesmente, não são os imigrantes que são do Algarve, é a associação que é do Algarve (algarvia).

Esta análise sintáctica é condicionada por um conhecimento de ordem pragmática (não são os países de origem de fluxos migratórios que criam associações de integração de imigrantes), imbricado no próprio significado da palavra imigrante.

Pergunta:

Por favor, gostaria de um maior esclarecimento sobre correlação entre tempos verbais. Por exemplo, como saber se um verbo, estando no particípio, pedirá outro verbo no particípio? Como se dá esta correlação (articulação) entre os verbos?

Desde já, agradeço.

Resposta:

Nas frases complexas, o tempo de uma oração depende do tempo seleccionado na outra oração. Uma relação similar pode ocorrer também em sequências interfrásicas.

Há fundamentalmente duas ordens de relação:

1— a sucessão de eventos está calculada em função do momento da enunciação, implícito no discurso (o agora em que falo):

«Só amanhã se saberá quem ganhou.»

2— a sucessão de eventos está calculada em função de outro momento no tempo, que não o momento da enunciação (naquele tempo, então, nessa altura):

«Só no dia a seguir é que se sabia/saberia quem tinha ganhado.»

Para aprofundamento deste assunto, deve proceder a uma pesquisa através das expressões-chave «anáfora temporal» e «consecutio temporum».

Leia entretanto:

Tempo na frase e tempo no texto: as teorias de Reichenbach e de Rojo e Veiga