Pergunta:
Examine-se a seguinte frase:
«Ouvi atentamente o seu pronunciamento, que, todavia, merece reparo.»
Como se explica a presença da conjunção todavia, de valor adversativo, numa oração subordinada adjetiva explicativa? Afinal a segunda oração é coordenada adversativa, ou subordinada adjetiva?
Obrigado.
Resposta:
Todavia recebe a classificação morfológica de conjunção adversativa.
No âmbito de estudos linguísticos mais recentes (Pragmática e Análise do Discurso) verificou-se que as palavras que a gramática tradicional classifica como conjunções ou locuções conjuncionais e advérbios ou locuções adverbiais podem estabelecer uma relação que incide não só sobre o conteúdo proposicional dos termos ligados, mas também sobre um enunciado (I) ou sobre uma inferência (II):
(Î) «Onde está o Zé? Porque eu não o vi no escritório toda a manhã...»
(II) «No dia do crime, o Zé esteve no parque, mas não sei mais nada.»
Estes dois enunciados podem ser parafraseados da seguinte forma:
(I) «Onde está o Zé? Pergunto isto porque não o vi no escritório toda a manhã...»
(II) «No dia do crime, o Zé esteve no parque. A partir desta minha afirmação vocês podem inferir que eu sei mais alguma ou até que estou envolvida no crime, inferência que eu rejeito.»
No enunciado em apreço, «ouvir atentamente» pode desencadear a inferência «anuir», inferência essa que o locutor não quer ver confirmada. Para anular essa inferência, o locutor recorre a um conector pragmático com função adversativa/negativa:
«Ouvi atentamente o seu pronunciamento, que, todavia/no entanto/contudo/apesar de tudo/ainda assim, merece reparo.»
Outros exemplos em que conjunções e advérbios desencadeiam instruções pragmáticas:
«O atentado em Islamabad ainda não foi reivindicado, mas já fez 60 mortos.» (RTP, Jornal 2, 21/09/08)
«Afinal, Microsoft e Yahoo negoceiam acordo alternativo» (Público, 20/05/08)
«No...