A. Tavares Louro - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
A. Tavares Louro
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Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas — Estudos Portugueses e Franceses pela Faculdade de Letras de Lisboa. Professor de Português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Regra geral, formamos o advérbio de modo acrescentando -mente ao adjectivo no feminino. Quando é que isso não pode acontecer?

Ao adjectivo realizada, podemos acrescentar -mente?

Obrigada.

Resposta:

Há realmente uma excepção: quando estes advérbios derivam de adjectivos terminados em -ês. Temos, assim, burguesmente (e não *"burguesamente") e portuguesmente (e não *"portuguesamente"), como indicam Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (1984, pág. 103). Estes gramáticos adiantam ainda:

«[...] [O] facto tem explicação histórica: tais adjectivos eram outrora uniformes, uniformidade que alguns deles, como pedrês e montês, ainda hoje conservam. Assim: um galo pedrês, uma galinha pedrês; um cabrito montês, uma cabra montês. A formação adverbial continua a seguir o antigo modelo.»

Quanto a "realizadamente", trata-se uma forma que se deve encarar com certa reserva, porque deriva de um particípio passado. De maneira geral, os advérbios de modo formados com o sufixo -mente provêm de adjectivos, tais como: favoravelmente, graciosamente, etc. Os particípios passados dos verbos também poderão funcionar como adjectivos, mas o seu uso mais frequente é como elementos da voz passiva. Exemplo: «Esta obra foi realizada por um grande artista.» Eventualmente, alguém poderá dizer: «Oh! Ela é uma mulher realizada!»

Neste caso, estamos perante uma construção fora do comum ou estilística. Os falantes de nível de língua corrente u...

Pergunta:

Qual é a proveniência da palavra "xiça"?

Considero esta palavra muito grosseira e de mau gosto, no entanto, é muitas vezes utilizada.

Obrigada.

Resposta:

Como interjeição, escreve-se chiça (ver Dicionário Houaiss, Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, e Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado). Em Portugal, é palavra que exprime dor e desagrado, usada frequentemente pelos trabalhadores quando se aleijam ou quando o trabalho lhes corre mal. Por vezes, esta palavra é usada perante uma proposta considerada enganadora. É, neste caso, equivalente a: «Safa!» O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa sugere origem alemã (do alemão Scheisse, «porcaria»), mas falta confirmação de outras fontes que permitam enquadrar devidamente o aparecimento desse suposto empréstimo em português. 

Existe também a palavra xiça, forma reduzida da palavra dixissa, que tem origem no quimbundo, uma das línguas de Angola, e que significa «esteira» (Dicionário Houiass).

Pergunta:

Tenho visto em vários artigos de jornal e, sobretudo, em legendagem de documentários e filmes a palavra polícia grafada com maiúscula.

Devo dizer que em nada me choca, mas sei que o assunto não será pacífico.

Eu próprio grafo com maiúscula nas situações em que se trata da instituição. Exemplos: «A contenda foi resolvida graças à pronta intervenção da Polícia»; «O porta-voz da Polícia disse que não havia razão para alarme.» Por outro lado, grafo com minúscula, quando me refiro a um elemento da Polícia: «Perguntei ao polícia se podia ajudar-me»; «Os polícias queixam-se de falta de meios.» Ou, ainda, dos dois modos na seguinte situação: «Os polícias envolveram-se numa acesa contenda com os civis, e o seu comandante já veio dizer que a Polícia repudia tais comportamentos.»

Gostaria, portanto, que me dessem a vossa opinião quanto à legitimidade de se grafar o vocábulo em questão com maiúscula nas situações que referi.

Cordialmente, um vosso consulente.

Resposta:

Quando nos referimos a destacamentos policiais ou grupos de agentes policiais, devemos usar a minúscula inicial. Exemplo: «A contenda foi resolvida graças à pronta intervenção da polícia.» Neste caso, estamos a referir-nos apenas a um grupo de agentes policiais ou a uma força policial não identificada.

Na designação oficial das instituições públicas e privadas, devemos usar a maiúscula inicial como, por exemplo: Polícia de Segurança Pública, Polícia
Judiciária
, Polícia Marítima, etc.; p. ex.: «A Polícia de Segurança Pública repudia tais comportamentos.»

Pergunta:

Porventura existiria "Borbão" como aportuguesamento de Bourbon, nome de uma casa real que reinou na França, Espanha, Luxemburgo, Navarra, Duas Sicílias e Sardenha. Em italiano, é Borbone; em espanhol, é Borbón.

Dom Pedro I do Brasil (IV de Portugal) tinha como sobrenomes «Bragança e Bourbon». Curioso que ele não aportuguesou Bourbon, como seria de se esperar de um príncipe de um país de língua portuguesa.

Muito obrigado.

Resposta:

A opção de D. Pedro I do Brasil e IV de Portugal está de acordo com a manutenção dos apelidos originais. A família real espanhola fez a adaptação para a ortografia espanhola (Borbón).

Em português, assinala-se a existência de forma vernácula, conforme se verifica em Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa:

«Borbom, top. Equiva. vern. do fr. Bourbon e do esp. Borbón. — Borbons, patr. m. pl.»

Também aí se regist{#|r}a:

«Borbões (ant.), patr. m. pl. Borbons

No entanto, José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico, diz que «a grafia mais corrente entre nós é Bourbon». Acresce que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa de Malaca Casteleiro, que inclui nomes próprios, não acolhe o aportuguesamento de Bourbon/Borbón/Borbone.

Em suma, existe a forma Borbom (com Borbons, como plural preferencial), mas privilegia-se Bourbon, pronunciando-se "burbõ".

Pergunta:

Qual a forma correcta da expressão «dá cá um bacalhau!» ou «aperta aqui o bacalhau»? E qual a sua origem?

Resposta:

As expressões em apreço surgiram devido à analogia entre o bacalhau seco e espalmado, do qual se fazia amplo consumo em Portugal, e a forma da mão aberta quando as pessoas (especialmente os homens) iniciam os seus cumprimentos. Estas expressões são, portanto, metafóricas e estão ambas correctas.