Pelourinho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
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Registos críticos de maus usos da língua no espaço público.

Todas as línguas sustentam e reflectem o reservatório ideológico e o conhecimento de senso comum de uma comunidade de falantes. O recurso a provérbios, ditos, rifões e, de uma maneira geral, a todas as formas sentenciosas consagradas, é o momento em que esses conhecimentos compartilhados são explicitados no discurso. A função deste procedimento é atribuir empatia e autoridade àquilo que se está a dizer.

Todas as línguas incluem termos vagos no seu léxico, termos que se situam numa penumbra de significação, que não apresentam um conteúdo conceptual preciso ou delimitado. «Coisa» é uma palavra que apresenta um grau máximo de imprecisão semântica, mas há outras, com graus intermédios, como «questão», «matéria», «elemento». São palavras que apresentam os mais longos verbetes nos dicionários. Dada a sua vagueza, estas palavras servem...

Um morto renitente

No título de uma chamada da edição electrónica do Jornal de Notícias de 7 de Março de 2008 afirmava-se com todas as letras: «Cliente foi várias vezes esfaqueado mortalmente por proprietário de loja.» Imagina-se o cliente a levar uma facada, morrer e depois ressuscitar para levar outra mortal e assim sucessivamente.

Informação algo nebulosa

 

É certo que há dicionários que registam nubloso e nubiloso como sinónimos de nebuloso, mas é bom não esquecer que nebulosidade, como névoaé descendente do latim nebula e não do latim nubes (que deu nuvem). Nebulosidade, única forma dicionarizada, é a qualidade do que é nebuloso (do latim nebulosus).

Nenhum falante conhece todas as palavras da sua língua materna. Por exemplo, escaque, soleto ou epónimo são palavras de que, seguramente, a maioria dos falantes nativos do português nunca ouviu falar.

O programa Novas Oportunidades tem uma disciplina intitulada «Cidadania e Profissionalidade» com o objectivo de desenvolver nos formandos a «capacidade de programação de objectivos pessoais e profissionais».

A palavra "profissionalidade" não está registada em nenhum dicionário. Existe profissionalismo, «cumprimento do trabalho com seriedade e rigor», antónimo de incompetência, laxismo. Não é essa, porém, a palavra (ou noção) visada na dita disciplina.

No espaço desta rubrica tenho procurado focar incorrecções, incongruências, redundâncias, invenções abusivas e, ao mesmo tempo, explicar (não desculpar) a sua ocorrência.

Apontar e riscar repetidamente o erro, por si só, não conduz o falante comum a conhecer o que fundamenta uma expressão (escrita e oral) correcta e consequente. Para isso é preciso ter (ou ganhar) consciência de que a língua não é um código regulamentar, mas sim um sistema complexo, variável e dinâmico.

Quando se estuda gramática na escola, aprende-se o que é um sintagma nominal: o sintagma nominal é consituído por um nome em torno do qual gravitam vários tipos de constituintes, entre eles o adjectivo.

Em relação àquilo que é designado pelo nome, o adjectivo pode qualificar (ataque terrível) ou classificar (ataque cardíaco).

Mas vale a pena analisar de perto a função ou pertinência de alguns adjectivos em expressões (sintagmas nominais) que foram entrando no ouvido.

Porquê Dunkirk, em vez de Dunquerque?

Duinkerke em flamengo, Dunkerque em francês, Dunquerque, em português. Os anglófonos dizem e escrevem Dunkirk. Mas porquê esta opção pelo topónimo em inglês, em detrimento da forma aportuguesada, na tradução/legendagem do documentário exibido1 pela RTP 2 sobre os bastidores do filme Expiação2?

Abriram-se as prendas de Natal. Se a prenda é um livro, o simples desembrulhar não permite tirar conclusões acerca do produto.

Veja-se o caso de dois livros de literatura infanto-juvenil, ambos traduções: A Flauta Mágica (Edições Hipòtesi/Kalandraka Editora) e A Vida de Um Piolho Chamado Matias (Edições Teorema). Ambos têm erros gravíssimos, que acusam uma má tradução e uma igualmente má revisão.

Listo apenas alguns desses erros.