Na modalidade escrita, é comum recorrermos a diversos sinais de pontuação que, no texto, vão assumindo diferentes funções que operam no plano sintático e estilístico.
Saramago, em muitas das suas obras, não adota esta prática normativa, restringindo a pontuação a dois sinais: a vírgula e o ponto. Em Ensaio sobre a Cegueira, por exemplo, a virgula é usada em 88% dos casos de pontuação e o ponto em 12%.
Todavia, até no campo da pontuação, Saramago exige que se vá mais além porque, também aqui, a norma não tem lugar. Com efeito, a vírgula e o ponto, em muitos textos de Saramago, não devem ser interpretados à luz das regras da sintaxe, pois o seu uso associa-se sobretudo aos efeitos de sonoridade. Saramago explica aos seus leitores que as suas vírgulas devem ser entendidas como sinais de pausa breve e os pontos como sinais de pausa longa. Estes sinais pautam o ritmo da fala e trazem a oralidade para dentro da escrita. A vírgula e o ponto traduzem, em muitos textos saramaguianos, o som da oralidade, funcionando como as notas de uma pauta de música: marcam o ritmo, a duração, a respiração. Por esta mesma razão, Saramago recordava, numa entrevista ao jornal Expresso, que «falar é fazer música».
Áudio disponível:
[AUDIO: Pontuação em Saramago_Carla Marques]
Apontamento incluído no programa Páginas de Português, na Antena 2, no dia 21 de novembro de 2022.