Em entrevista ao programa “Diga lá, Excelência”, do jornal “Público” e da Rádio Renascença, conduzida pelos jornalista Maria José Oliveira e Paulo Magalhães, emitido pela RTP 2 no dia 15 de Junho de 2008, o Prémio Nobel da Literatura José Saramago mostrou-se a favor do Acordo Ortográfico, conquanto confesse já não ter idade para deixar de escrever como escreve….
As reedições das suas obras vão ter de aplicar o Acordo ortográfico. O que lhe parece?
E que importância tem? Em 1911 fizemos uma reforma ortográfica, suponho que por decreto, e sobrevivemos ao choque. Que não deve ter sido muito grande porque não se manejam reacções nesse tempo contra o acordo ortográfico. Não deixou rasto. Ao longo da minha vida passei por algumas coisas dessas, que não eram exactamente reformas ortográficas, mas apareciam algumas coisas dessas. Aprendi a escrever a palavra mãe com "e" no final, depois veio uma reforma gráfica e passei a escrever com "i" final. Depois veio outra e passei a escrever com "e" novamente. Agora estamos em algo mais vasto e complexo que não me agrada completamente.
Nestas matérias sou bastante conservador: o que está e deu bons frutos e bons resultados não se mexe. Mas tenho de compreender uma coisa: o futuro do português que escrevemos poderia estar bastante comprometido se não houvesse este acordo. É certo que haverá por parte de muita gente uma certa relutância em escrever acto sem "c" quando até agora escrevíamos com "c". Mas o Brasil tem 200 milhões de habitantes, creio. Podemos com os nossos dez milhões impor à sociedade mundial a nossa norma por isto ou por aqueloutro. Apresentem as razões. Há aí um grupo de pessoas que respeito muito que não estão de acordo comigo. Mas creio que temos de embarcar nesse comboio mesmo que não gostemos muito. Não há outro remédio.
Vai começar a escrever acto sem a letra "c"?
Vou continuar a escrever como escrevo hoje. Não vou querer estar a ir constantemente ao dicionário ver se se escreve com "c" ou não. Os revisores encarregam-se disso. Isto vai até 2015, creio, e vamos ter de actualizar dicionários. Agora que eu tenho 85 anos não vou sentar-me outra vez no banco da escola primária para aprender a escrever. Isso faço eu. Há uns apêndices que caem para outra pessoa, neste caso o revisor, que se encarregará de limpar a prosa.
In Público, 15 de Junho de 2008