«(...) [A] materialidade da escrita [...] é trabalho, e trabalho aturado, tão intelectual como físico, não etéreo mas concreto, esforçado, entendimento que me atrevo a dizer que não desagradaria ao nosso Nobel. (...) »
Integrada nas comemorações do centenário do nascimento de José Saramago, que tenho acompanhado, em Portugal e no estrangeiro, a exposição A Oficina de Saramago, inaugurada esta segunda-feira na Biblioteca Nacional (BN), sintetiza, numa mesma designação, oficina, diferentes dimensões da vida de um escritor, e da vida do escritor José Saramago. Porque para quem escreve tudo é oficina, ou, dito de outro modo, fábrica, escritório, laboratório.
Um dos livros que Saramago publicou ainda antes de ter conhecido o sucesso nacional, e depois internacional, chamava-se Manual de Pintura e Caligrafia, livro que é, como o título não indica, um romance. Tanto a pintura como a caligrafia são tentativas de imitação, ou de representação, tentativas que sabemos insuficientes mas indispensáveis, manuais de leitura do mundo em que vivemos.
Se hoje há, na cabeça de muitos leitores em muitos países, um “universo Saramago", ele é decerto composto de todas as matérias, de todos os materiais, que deram origem aos seus livros. Esses materiais e matérias são desde logo a biografia e a História, mas também as leituras, as bibliotecas (como a BN, que Saramago frequentou), a pesquisa, os cadernos, a correspondência, as provas emendadas.
Isso não se confunde estritamente com a ideia de espólio, com um legado de objectos, mas documenta aquilo que podemos definir como a materialidade da escrita, que é trabalho, e trabalho aturado, tão intelectual como físico, não etéreo mas concreto, esforçado, entendimento que me atrevo a dizer que não desagradaria ao nosso Nobel.
Felicito por isso os comissários da exposição, Carlos Reis e Sara Grünhagen, e os responsáveis das instituições (Biblioteca Nacional, Fundação José Saramago e Imprensa Nacional), que nesta e noutras ocasiões se têm empenhado em dar-nos, das mais distintas maneiras, manuais de leitura de José Saramago.
Mensagem do presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, incluída no jornal Público em 6 de junho de 2022.