« (...) A verdade é que os dois palavrões mais usados têm resultados muito próximos. As respostas válidas que recebi foram apenas 127 – um inquérito com uma amostra maior talvez desse a vitória nacional à m*rd*… (...)»
Há uns meses, Gaston Dorren, autor de óptimos livros sobre línguas, perguntou-me qual é o palavrão mais usado em Portugal. Há muitos, claro, mas qual é aquele que todos dizemos quando damos com o pé na esquina da porta?
Fiquei a pensar um pouco. Não me parecia haver um palavrão que fosse mais usado que todos os outros… Dei a minha resposta, com muitas dúvidas.
Decidi perguntar a mais pessoas. Fiz um pequeno inquérito, que espalhei por pelas famosas redes sociais.
Antes de revelar os resultados, gostaria que olhar para palavrão (a palavra). Parece ser um aumentativo, mas raramente é usada para designar uma palavra muito grande (embora também o possa ser – otorrinolaringologista é mesmo um palavrão) – designa, a maior parte das vezes, as palavras que estão sujeitas a um qualquer tabu (também chamadas "asneiras") ou, então, uma palavra tão rara que mal se percebe.
Também temos aquilo a que podemos chamar "palavrõezinhos", fazendo o diminutivo do aumentativo (a língua permite-nos fazer estas malandrices). Os palavrõezinhos são aquelas palavras que aparecem em substituição dos palavrões. Quando damos um pontapé na mesa, a nossa boca descai-se logo para o palavrão, para aliviar a dor (e alivia mesmo!). Quando chegamos à segunda sílaba, lá conseguimos tomar as rédeas à palavra e sai-nos algo como fogo, fosga-se, caraças ou poças… Estes palavrõezinhos são interessantes só por si, mas hoje não é dia de falar deles.
Qual será então o palavrão mais usado, pelo menos por quem se deu ao trabalho de responder ao meu inquérito?
Em terceiro lugar do pódio ficou porra, com 12% das respostas. Se virmos bem, esta palavra já não é bem um palavrão (nem me atrevo a disfarçá-la com asterisco). A divisão entre palavras feias e palavrões é muito subjectiva, diga-se a bem da verdade.
Atrás de porra, ficou c*r*lh*, com 8%, que tem a particularidade de se dar muito melhor com os ares do Norte que do Sul. Então se passarmos a fronteira e entrarmos pela Galiza adentro, encontramos a palavra com uma frequência que assusta qualquer português meridional. Certamente, na Galiza, o c*r*lh* não ficaria em quarto lugar…
O segundo lugar, com 31%, foi para a palavra em que votei (se fossem eleições, o meu partido teria perdido): m*rd*. É um palavrão a caminho de se tornar um palavrãozinho, mas ainda tem a sua força. Como esta é uma página familiar, até a m*rd* fica com asteriscos – o que também serve para mostrar como podíamos usar um sistema de escrita sem vogais. Aliás, se ainda usássemos a escrita fenícia, de onde surgiu o nosso alfabeto, escreveríamos algo como mrd em lugar do palavrão…
Por fim, o vencedor, com 43% das respostas, foi a expressão f*d*-s*, que, mesmo assim, teria de negociar uma coligação para atingir a maioria absoluta.
(Houve ainda 7% de respostas variadas.)
Quando dei a Gaston Dorren os resultados, ele disse-me que nós andamos a navegar entre o palavrão mais comum do alemão, Scheiße, e o mais comum do inglês, fuck (como são palavrões estrangeiros, não têm direito a asterisco). Talvez sejamos um país indeciso nos palavrões; ou talvez um inquérito que explicitasse a região do falante permitisse encontrar uma fronteira entre a zona do f*d*-s* e a zona da m*rd*.
A verdade é que os dois palavrões mais usados têm resultados muito próximos. As respostas válidas que recebi foram apenas 127 – um inquérito com uma amostra maior talvez desse a vitória nacional à m*rd*…
Fica para qualquer dia.
Sugestões de leitura
Sugiro (não é a primeira vez) o blogue de Gaston Dorren e os seus livros Lingo e Babel. Há pouco tempo, John McWhorter publicou Nine Nasty Words, sobre o tema. Por cá, temos o Dicionário de Insultos, de Sérgio Luís de Carvalho, e o Pequeno Livro dos Grandes Insultos, do meu editor Manuel S. Fonseca (curiosamente, os livros portugueses sobre o tema concentram-se nos insultos).
Sobre o tema, já escrevi por aqui:
Crónica do professor universitário e tradutor Marco Neves, publicada no blogue Certas Palavras, em 15 de novembro de 2021 – escrita segundo a norma ortograficaade 1945.