Esta semana, milhares de crianças em Portugal iniciam mais um novo ano letivo que, tal como os anteriores, traz desafios variados, mas que não vão sendo novos. Para além do problema da escassez de professores em disciplinas nucleares como Matemática, Geografia ou Português, existe ainda o desafio relacionado com o crescente número de estudantes estrangeiros. Embora a multiculturalidade nas escolas seja algo de positivo por promover o diálogo intercultural entre várias gerações, acarreta diversos problemas relativos sobretudo a questões linguísticas e culturais que são transversais às diferentes disciplinas, mas que, acima de tudo, acabam por afetar a disciplina de Português.
As salas de aula em Portugal, nomeadamente nos grandes centros urbanos, estão cada vez mais multilingues, o que traz grandes desafios aos professores que acabam por ter turmas com conhecimentos linguísticos de português muito distintos, até porque muitos dos alunos estrangeiros que chegam às escolas portuguesas vêm de diferentes partes do mundo. Com alguns destes, como é o caso dos estudantes provenientes do Brasil, as dificuldades sentidas tanto por professores como por alunos estão sobretudo relacionadas com diferenças associadas às variedades do português e às duas normas-padrão reconhecidas: a norma do português europeu (PE) e a norma do português do Brasil (PB). Isto coloca muitos docentes perante o seguinte dilema: ensinam exclusivamente a norma do PE e exigem que os alunos produzam textos segundo as regras estabelecidas por esta, considerando erro tudo aquilo que se afasta dela (até mesmo o que segundo a norma do PB é permitido); ou aceitam que no discurso do aluno possam existir estruturas linguísticas que estejam em consonância com a norma-padrão do PB, respeitando assim a variedade por meio da qual aprendeu a falar e que, num determinado momento da sua vida, fez inclusive parte da sua escolarização.
Outro dos desafios que muitas escolas portuguesas enfrentam atualmente relacionados com os alunos estrangeiros são referentes aos estudantes cujo português não é a sua língua materna (LM). Há, neste momento, crianças e jovens que frequentam o ensino português sem nunca terem tido, até à sua vinda para Portugal, contacto com a língua portuguesa. Neste caso, segundo a legislação em vigor, estes alunos têm de frequentar a disciplina de Português como Língua Não Materna (PLNM). A organização desta disciplina deve ter em consideração os seguintes aspetos: organização dos alunos por nível de proficiência e faixa etária, preparação do professor da disciplina e adequação dos conteúdos às dificuldades manifestadas pelos alunos. Além disto, é necessário um mínimo de 10 alunos para que a escola possa abrir uma turma de PLN, o que faz com que estes aspetos sejam, em muitas escolas, cenários idílicos, uma vez que muitas destas instituições não possuem os meios e os recursos adequados para fazer face a estas exigências ou, sendo possível formar turma, esta acaba por reunir alunos com necessidades muito diferentes no processo de aprendizagem do PLNM.
A disciplina de PLNM destina-se a alunos que não têm o português como LM ou, então, que, apesar de terem adquirido alguns conhecimentos de português no contexto familiar, não foram escolarizados nesta língua. Para além disto, apenas abrange os estudantes que tenham ou um nível de proficiência inicial [correspondente aos níveis A1 e A2 do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (QECR)] ou um nível de proficiência intermédia (correspondente ao nível B1 do QECR), o que acaba por excluir outros alunos que, embora tenham uma proficiência linguística de português considerada avançada, este idioma não é a sua LM e, por isso, muitas das dificuldades manifestadas por eles estão associadas a esta situação. Acrescenta-se ainda o facto de muitos dos encarregados de educação destas crianças e jovens não dominarem também eles a língua portuguesa, o que dificulta o acompanhamento em casa e a ajuda na superação das dificuldades.
Outro problema relativo à disciplina de PLNM prende-se com a formação e preparação dos professores. Muitos dos docentes que se encontram a lecionar esta disciplina têm pouca formação sobre a didática do ensino e aquisição de línguas não maternas, já que as suas formações de base não contemplaram disciplinas sobre estes domínios, o que faz com que muitos destes profissionais nem sempre se sintam preparados para usar os métodos mais adequados ao perfil de aluno que frequenta as aulas de PLNM. Uma solução para este problema poderia passar ou por uma aposta numa formação mais alargada e aprofundada dos professores sobre estes domínios, ou então na abertura da carreira docente a quem tenha licenciatura ou mestrado em ensino de PLNM através da criação de um grupo específico, dando a possibilidade de estes especialistas concorrerem ao concurso nacional destinado a professores dos ensinos primário, básico e secundário. Quer isto dizer que não basta as universidades terem ofertas de licenciaturas, mestrados e doutoramentos sobre o ensino e aquisição de PLNM, é também necessário que os decisores políticos e administrativos tenham consciência de que os estudantes que se formam nestes cursos são, talvez, os mais indicados para fazer face aos desafios impostos pela disciplina de PLNM e pelo multilinguismo que cada vez mais caracteriza muitas escolas portuguesas.
A chegada constante de estudantes estrangeiros ao sistema de ensino português acarreta, portanto, grandes desafios para a maioria das intuições de ensino que só poderão ser superados com o trabalho conjunto da comunidade escolar e sociedade civil em prol do melhor acolhimento e integração dos filhos daqueles que procuram Portugal para viver.