Uma parte importante das regras sintáticas da maioria das línguas consiste naquilo que podemos designar por regras de concordância. Em português, estas regras são mecanismos sintáticos fundamentais, uma vez que constituem uma condição necessária para a gramaticalidade do discurso. Genericamente, os processos de concordância do português são diversos, sendo que cada um deles corresponde a um sistema de valores. No que respeita ao número, por exemplo, distingue-se em português dois valores: singular e plural. Existem ainda outros sistemas de valores que envolvem concordância como o género (masculino e feminino) e a pessoa (primeira, segunda ou terceira).
Todavia, estes valores, considerados relevantes para os processos de concordância, não se aplicam todos às mesmas classes de palavras. Por isso, é importante ter em atenção que as regras de concordância do português, resumidamente, se dividem em dois grandes grupos: regras de concordância nominal e regras de concordância verbal. Relativamente à concordância nominal, os mecanismos de valores que, geralmente, se aplicam são o género e o número, ao passo que na concordância verbal se empregam, sobretudo, valores relacionados com a pessoa.
No que concerne ao Português como Língua Estrangeira (PLE), os estudos desenvolvidos sobre a aquisição/aprendizagens dos vários processos de concordância demonstram algumas dificuldades dos aprendentes em dominar, na sua plenitude, o seu funcionamento e as suas especificidades. Por exemplo, a investigadora Tânia Ferreira conclui, num estudo desenvolvido sobre a aquisição/aprendizagem do género nominal em PLE1, que a língua materna (LM) dos aprendentes interfere, pelo menos de forma parcial, no processo de aquisição/aprendizagem da concordância nominal em género, observando-se isto sobretudo nos aprendentes dos níveis iniciais. Neste estudo, Tânia Ferreira verificou que quanto maior é a proximidade tipológica dos idiomas (LM de aprendente e língua-alvo – LA) maior é o benefício do processo de aprendizagem da atribuição de género nominal. Além disto, este trabalho mostrou ainda que perante a ambiguidade do input da LA relativamente à associação de valores de género, os aprendentes tendem a associar o valor ao nome em função do valor do item lexical correspondente na sua LM.
Também estudos desenvolvidos no âmbito da concordância verbal, como por exemplo o realizado por Ana Madeira, Maria Francisca Xavier e Maria de Lourdes Crispim sobre concordância verbal e sujeitos nulos em L22, demonstram que a LM dos aprendentes desempenha um papel importante na assimilação e aprendizagem das propriedades relativas a este tipo de concordância, nomeadamente nos estádios iniciais da aprendizagem. Estas investigadoras apuraram que «a aquisição de propriedades morfológicas, como é o caso dos paradigmas de flexão verbal, poderá estar, de certo modo, dissociada da aquisição de propriedades sintáticas que lhes estão associadas, como é o caso dos sujeitos nulos» (pág. 326).
Na minha curta experiência de docente de PLE, tenho encontrado inúmeros problemas relacionados tanto com a concordância nominal como com a concordância verbal. Muitos dos alunos dos níveis iniciais, independentemente da sua LM, revelam pouca consciência da concordância, realizando, por exemplo, erros relacionados com a concordância em género e número do determinante artigo ou do adjetivo com o nome. Estas situações deixam a impressão de que os problemas relacionados com a concordância em PLE estão muitas vezes ligados a eventuais dificuldades que os aprendentes têm na sua LM, o que torna o ensino deste assunto desafiante. Como se promove a aprendizagem de uma determinada estrutura numa língua estrangeira, quando essa mesma estrutura causa problemas ao falante na sua LM? Mesmo pressentindo que não é possível responder a esta questão de forma categórica, arrisco-me a sugerir que o importante é alertar, logo no início do processo de aprendizagem, o aprendente para os principais sistemas de valores da concordância do português através da didatização de situações simples, de modo a que este ganhe, gradualmente, consciência destes aspetos. Também é importante que o professor tente, se possível, perceber quais os eventuais problemas que o grupo com que está a trabalhar diretamente possa trazer das suas LM, de maneira a que estes possam ser discutidos e trabalhados.
1. FERREIRA, Tânia (2019), Aquisição/Aprendizagem do sistema de atribuição de género nominal em PLNM. (Tese de Doutoramento). Disponível aqui.
2. MADEIRA, A., XAVIER. M. F., CRISPIM, M. L. (2008), Concordância verbal e sujeitos nulos em português L2. Dísponivel aqui.