«(...) Em Portugal, conheceu um cabo-verdiano. Viajou para lá também. Só falava... português, de boa. Em Cabo-Verde, conheceu uma angolana. Viajou para lá também. Só falava... português, de boa. (...) »
Em menos de um ano, Jack se mudaria para o Brasil. Emprego novo. Ganharia bem. Tinha que aprender o "brasileiro" num período de parto completo. Tarefa dura. Mas possível. Tinha tempo e dinheiro para investir numa nova língua (brasileira?).
Decidido a isso, digitou no Google: «professor língua brasileira».
Quanto mais procurava, menos encontrava. Percebeu que o Google direcionava a intenção de busca do estrangeiro para «língua portuguesa» ou «português».
Aí, o estrangeiro, confuso, usou o ChatGPT para descobrir se «língua brasileira» era a mesma coisa que «língua portuguesa». Eureka! Thanks, ChatGPT.
Pronto. O gringo descobriu que precisava de um professor particular de português (e não brasileiro), para ensinar a língua portuguesa, porque esse (pasmem!) é o idioma dos brasileiros.
Contratou. Treinou. Aprendeu. Viajou para o Brasil. Ficou lá durante quatro anos. Falava português todos os dias. Conheceu uma portuguesa, que falava de um jeito diferente, mas falava português. Viraram amigos. Recebeu um convite para visitá-la em Portugal. Foi. Ao chegar, conseguiu se comunicar tranquilamente em... português — a mesma língua que ele usava no Brasil todos os dias.
Em Portugal, conheceu um cabo-verdiano. Viajou para lá também. Só falava... português, de boa. Em Cabo-Verde, conheceu uma angolana. Viajou para lá também. Só falava... português, de boa. Em Angola, conheceu um moçambicano. Viajou para lá também. Só falava... português, de boa. Em Moçambique, conheceu uma timorense. Viajou para lá também. Só falava... português, de boa. Em Timor-Leste, conheceu um guineense. Na Guiné-Bissau...
Resumo da ópera: acho que já deu para entender que ele não precisou contratar professores para aprender outras "línguas", né?
Saber um novo idioma é um passaporte para conhecer outras pessoas, outras culturas, outros falares, outras cores da MESMA língua.
Ou você acha que um argentino não fala espanhol, e sim argentino?
Ou você acha que um australiano não fala inglês, e sim australiano?
Ou você acha que um belga não fala francês, e sim "belgo"?
Ou você acha que um austríaco não fala alemão, e sim austríaco?
Ou você acha que um marroquino não fala árabe, e sim marroquino ("marroquês"?)?
.....................
Eis aqui uma citação do linguista Helênio de Oliveira, que, do ponto de vista do registro linguístico, dialoga bem com essa patacoada zumbílica chamada "língua brasileira":
«Nossa condição de ex-colônia contribui para que a diferença entre formal e informal seja maior no português do Brasil que no de Portugal, como é maior em Marselha que em Paris, no Texas do que em Oxford, em Buenos Aires do que em Madri e assim por diante, ou seja, para quem não vive na região cujo dialeto serviu de base à variedade padrão do idioma a distância entre formal e informal é realmente maior. Não chegamos ao extremo da diglossia no Brasil, mas temos de dominar variedades linguísticas estruturalmente mais diferenciadas que as utilizadas por um falante português. Não há dúvida, o desafio dos professores de Português no Brasil é maior que o de seus pares portugueses. Esse "privilégio", por assim dizer, de quem vive na área geográfica berço da língua padrão é um fato, que não cabe lamentar nem exaltar, mas "administrar", a não ser que se optasse por uma política linguística xenófoba, como a dos antigos adeptos da tese da 'língua brasileira'.»
Fonte da citação: https://iedadeoliveira.blogspot.com/.../como-e-quando...
Apontamento do mural de Fernando Pestana no Facebook (24 de novembro de 2023).