«Há que retomar a ideia da unidade da língua. Atualmente vemos a língua só como dialetólogos» - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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«Há que retomar a ideia da unidade da língua. Atualmente vemos a língua só como dialetólogos»
«Há que retomar a ideia da unidade da língua. Atualmente vemos a língua só como dialetólogos»
José Ramom Pichel sobre a situação linguística da Galiza

Entendendo a importáncia estratégica das ligações comerciais e económicas da Galiza com o Norte de Portugal, e as implicações e facilidades que a língua comum pode achegar nesse ámbito, a AGAL [Associação Galega da Língua] lança um novo desafio, consultar vozes autorizadas que possam deitar luz sobre a importáncia do estudo do português como ferramenta para as interações transfronteiriças.

Para isso, hoje falamos com José Ramom Pichel, atualmente investigador em tecnologias da linguagem inteligentes no Proxecto Nós. É também sócio-fundador da empresa de tecnologias de linguagem e videojogos educativos imaxin|software e do podcast O Centro.

As relações com Portugal sempre foram um dos teus focos. Porquê?

Porque a mim o que mais me motiva é a sobrevivência da língua. Numha determinada altura convencim-me totalmente que o português e o galego eram dous sabores do mesmo idioma, com a ajuda inicial de ter ido muitas vezes a Portugal com os meus pais, e a ajuda maiêutica já na Universidade de dous grandes amigos: o Paulo Lamas e mais o Valentim Fagim.

Vim que a realidade na que eu vivia quer na cidade quer na vila e aldeia, nom se correspondia com o aprendido na escola de inícios dos 80 através das aulas de galego. Sentia mais fio de proximidade entre os falares da feira de Valença e os galego-falantes da minha aldeia, que entre o que aprendia na escola. Mas isto ficava aí, sem digerir mais.

Posteriormente, já na Universidade, este contacto com o português e com Portugal num sentido alargado, conseguiu que me vira no espelho de outra maneira. A identidade afinal nom é o que somos mas o que nom somos. E isto sempre tem relaçom com o outro. Esse foi o meu processo de transformaçom mais profundo, e daí fum construindo todos os projetos nos que participei, sempre em essa lógica.

Aliás, esta consciência que eu adquirim na realidade é umha consciência passada a limpo dumha consciência popular que se dá no sul, ou polo menos em Vigo, de que essa fronteira linguística e mesmo cultural nunca existiu nem existe. Nunca houvo umha fronteira até que chegou a autonomia galega e colocou umha barreira linguística e cultural aprendida obrigatoriamente nas escolas. Nom sei noutras zonas da Galiza, mas em Vigo ou Souto Maior, a gente nunca considerou que os de Portugal falaram outra língua. Outro conto, é que nom consideravam que era a mesma. E acho que como galegos e galegas dá para compreender isto: Deus é bom, mas o demo nom é mau. No entanto, a gente educada nas aulas de galego aprendemos que aí havia umha fronteira linguística, assunto que eu nom via, nem ouvia. Polo contrário quem nom foi educado nisso, nom assumiu esta ideologia de neofronteira. Entom, o que aparentemente parecia que fosse um passo para melhor, foi para mim, para pior.

Agora, quarenta anos depois, desmontar todo esse aparelho teórico e conceitual de educaçom obrigatória é impossível. E nom concordo com jogar ao rolho [treta] “naïf” como se isso nom fosse umha ideologia; nom, nom, foi umha ideologia a que montou umha fronteira aí. E nom só montarom umha fronteira, depois ainda fizeram como se o problema vinhesse de fora, culpando os portugueses de nos falarem castelhano e passarem de nós… Nom, nom, tu montaste umha fronteira, onde nom havia fronteira. E portanto, porque se tinham de importar por nós desde Portugal? Outra cousa é como se concretizava esse relacionamento, que estava por definir. Poderíamos ir um pouco à ideia de [Ricardo] Carvalho [Calero], assumir a continuidade da língua e irmos aos poucos, muito devagarinho. Agora todo o mundo tem aí umha fronteira. É impressionante.

Desde os diferentes projetos nos que participei, sempre achei que era importante continuar a viver como se nom [houvesse] fronteira, e aplicá-lo ao sector das tecnologias de linguagem na Galiza e Portugal. Entom, em imaxin, por exemplo, falei com o diretor da Priberam, Carlos Amaral, e digem-lhe, porque nom fazemos umha aliança comercial nas tecnologias de linguagem galego-portuguesa? Nós comercializamos o vosso software em todo o Estado espanhol, e vós o nosso em Portugal e no Brasil? E assim foi. Conseguimos alguns projetos em grandes empresas, porque Galiza é o melhor lugar para entrar em Espanha desde Portugal ou o Brasil, pois é a ponte natural. E isto o que significa em termos práticos? Que nós conhecemos melhor que Portugal os códigos culturais espanhois desde as diferenças culturais que existem no Reino de Espanha. E Portugal conhece melhor do que nós os códigos culturais lusófonos, por muito que partilhemos a língua e no caso de Portugal imensos traços culturais. Mas nem por isso partilhamos os hologramas de referências projetados nas populações polos Estados, e no nosso caso também pola autonomia galaica.

Como anedota, há anos fomos em umha missom comercial ao Brasil 15 empresas tecnológicas galegas. Cada um vendia umha cousa diferente. Por exemplo, havia umha empresa de Vigo que vendia canetas eletrónicas para realizar um OCR em tempo real de receitas de médicos escritas a mao. A pessoa que apresentava o projeto começou dizendo bolígrafo, e como o pessoal nom compreendia, digeram-lhe «o nome é caneta». Em dous segundos, ok, caneta. Depois eu digem-lhe «sabes que caneta é umha palavra galega?», e ele, “ah, vale, que bom, ótimo, genial”. Sem nenhum problema. Existem poucos preconceitos para isto nas pessoas fora do mundo da língua e da cultura galega.

Outra anedota: esses mesmos brasileiros, disseram-nos que na semana anterior estiveram umas empresas de Lisboa e tiveram que ponher-lhe intérpretes. É “molt fort”. Nom estou a brincar. Foi mesmo assim. E nós andamos aqui com as isoglossas. O que acontece? Que é verdade que tens que ter um bom galego para comunicar ali. E se sabes o padrom português melhor. Mas ali para ter um bom galego o mais importante é termos uma boa fonética e prosódia galega, que é o que mais identificam com o português. Nom se importam com que uses a conjugaçom dos verbos à galega, léxico diferente ou fraseologia diferente, porém, se temos umha fonética e umha pragmática castelhana, para eles é castelhano, por muito que sejas reintegrata. Traduzindo: o contacto com Portugal ou o Brasil, obriga a melhorar a nossa fonética galega, desprezada socialmente por ser diferente da castelhana.

Na mesma viagem, ao segundo dia, todos os da equipa que eram empresários castelhano-falantes de Vigo, já estavam falando galego. Depois fomos todas as empresas galegas falando galego ao consulado da Espanha em São Paulo, e ali a cônsul que polo sotaque parecia castelhana, e com a presença dum bolseiro galego do IGAPE, quando acostumados a estar todo o tempo a falar em galego iniciamos a conversa na nossa língua, disse: «Si vamos a hacer esta reunión en português ahora mismo se acaba la reunión.» Foi o único momento em que mudamos ao castelhano. Foi um momento muito esclarecedor do nosso teito de cristal como galego-falantes e galego-escreventes.

Esse mesmo dia fomos a umha unidade de negócios catalá que havia na cidade, ali começarom a nos falar em catalám porque acharom que eramos uma missom comercial catalá. Logo que dixemos: «desculpa, somos galegos», o responsável mudou para castelhano, e dixo-nos «eu nom me quero meter nas vossas cousas, mas ou fazedes umha língua regional com o qual vai desaparecer, ou fazedes umha língua global com o qual ides comer o mundo». Um tipo que era economista. Desde esse momento para mim ficou claro que os negócios era um fator chave para a sobrevivência da nossa variedade na Galiza. Temos um grande tesouro que temos de aproveitar.

Em que ponto/momento se encontram as relações económicas entre a Galiza e o Norte de Portugal?

Antes havia mais separaçom no económico, porque nom havia Espaço Schengen, o espaço que eliminou as fronteiras entre Estados da Uniom Europeia. Mas antes da primeira guerra mundial a gente já podia potencialmente viajar por toda Europa sem nenhum problema, como tem escrito Stefan Zweig no seu magnífico livro O mundo de ontem. Nesse sentido o Espaço Schengen seria umha volta atrás, para bem. Ainda que só na Uniom Europeia. Qual é a questom? Que a partir desse espaço mudam as relaçons económicas, de feito, Henrique Saez Ponte, economista, ex-diretor do Banco Pastor em Portugal e presidente da Fundaçom Juana de Vega, tem dito que o crescimento económico da Galiza só se entende desde o Espaço Schengen. Segundo ele, o que disparou a economia galega foi sobretudo este espaço e a relaçom com Portugal. Obviamente ele pode explicar melhor do que eu esta sua hipótese. Mas desde aí, podemos supor que a abertura económica com Portugal incrementou a nossa capacidade económica, no sentido da métrica capitalista obviamente, porque sempre estava com Estremadura e Andaluzia nos últimos lugares, e agora a Galiza está pola metade em PIB. De feito, o outro dia saia a notícia de que o 50% dos trabalhadores interestatais, transfronteiços da Uniom Europeia, estám entre a fronteira galego-portuguesa. Cincuenta por cento de toda a Uniom Europeia. Cuidado! Tu imagina o que seria estudar na matéria de galego que a nossa língua nom morre no Minho…

Mas nom pode acontecer isso porque a fronteira galego-portuguesa deve ser umha fronteira dura, como entre Irlanda do Norte e Irlanda. Tem que haver umha fronteira dura porque um mercado fora dos intermediários habituais é perigoso. Sobretudo para os intermediários. Eu já escrevera um artigo sobre isto no Praza Pública, porque me chamou muitíssimo a atençom que nas cimeiras bilateriais hispano-portuguesas neste último governo, o rei de Espanha fora até Estremadura vestido de civil, e veu à Galiza vestido de militar. Foi mui sintomático: por Estremadura e portanto Madrid vestimos de negócios, mas pola Galiza vestimos de militar. Na fronteira com menor trânsito deve haver novas oportunidades. E na que mais há, é importante travar textilmente esse trânsito. Assim é que se fazem também os mercados, que logo som chamados, mercados naturais.

Este assunto é realmente interessante, porque queiramos ou nom, vivemos condicionado por um sistema económico supostamente de livre mercado, porém, na fronteira galego-portuguesa parece que existe uma singularidade, não só horária. Que nom haja a dia de hoje boa mobilidade entre Vigo-Porto e não só, mas sobretudo entre estas duas cidades, só pode ser explicado desde os interesses dos intermediários. Neste caso, o nosso grande intermediário, que é a nossa periferia, e que por acaso é a Meseta muito longe do Atlântico, que não quer perder quota de mercado com a Galiza.

Em termos de economia linguística e cultural, a chave era que houvo e há que asfixiar todo relacionamento com Portugal porque isso é também beneficioso para aumentar o mercado da língua obrigatória, que quando já é hegemónica, muda para o nome de «língua comum». Anos depois de ser obrigada, obviamente acaba por ser comum (ri). Sobretudo se na esmagadora maioria tens elites galegas que nom falam a nossa língua. Sobretudo se nom queres apoiar-te nas elites portuguesas que sim falam a tua língua, doutra maneira, mas a tua língua. É como dizer que comunicar-se digitalmente é o jeito comum de se comunicarem os humanos, depois de políticas públicas de forte investimento a favor do digital e de substituiçom do analógico. E por acaso, com umas políticas muito menos agressivas que as políticas linguísticas a favor da língua de Castela.

Dito isto, nada tenho contra o castelhano, obviamente, mas sim com o artigo 3 da Constituiçom espanhola de 1978, que apareceu previamente de forma semelhante no artigo 4 da II República espanhola, e que só colocou e coloca a uma das línguas espanholas como obrigatória. Ao contrário do que acontece com o artigo 4 da Confederaçom Suíça.

E voltando ao tema. Desligar o galego do português, quer dizer, dividir duas variedades do mesmo idioma, até já veremos se nom haverá mais, é um assunto que só foi conseguido na Galiza. Também os que nom gostam da diversidade linguística da Península, tentarom e tentam noutros lugares do Reino e também por outros arredor do mundo, o de: «divide et impera». Em Navarra, promovendo determinados traços para conseguir uma língua diferente do euskera. Nom lembro agora mesmo qual era o nome desta língua. Em Valencia, em Baleares, em Aragom a respeito dos diferentes sabores do catalam, mesmo tentando em Aragom separar com aquilo do LAPAO.

Também só na Galiza conseguirom dividir em meados dos anos 90 os estudos universitários de filologia galego-portuguesa em dous, assunto que alguns tentam também aplicar agora no caso do catalam-valenciano. Essa divisom foi lamentável para a sobrevivência da língua, porque tu por estudar galego já nom tens de estar atento a Portugal, e ao contrário. O resultado foi, que ao não ser para muitos galegos a nossa língua uma língua ambiental, perdeu-se a memória desta relaçom linguística galego-portuguesa. E como isto também nom foi reforçado na escola obrigatória, o castelhano acabou por ser a única língua de comunicaçom internacional, e agora também o inglês, especialmente nos mais novos. Estas duas semanas, estivem em três cafetarias diferentes, duas delas universitárias, onde vim galegos falar em castelhano com brasileiros e um português. O português e os brasileiros falarom em português com os galegos. É muito deprimente ver isto, quando viches o contrário. Quando nom havia estudos de galego, havia comunicaçom em galego-português entre todos os sabores do idioma. Qualquer galego com família emigrada no Brasil sabe do que falo. E tudo em nome do bem-estar identitário dos galegos. Identidade galega, que eu prefiro nomear como identidades galegas partilhadas, que obviamente, ninguém perguntou como tinham de ser.

O dinamismo da economia galega ou da economia portuguesa entendem-se sem a outra parte?

Sempre houve relaçons económicas entre a Galiza e Portugal. Contam sempre as pessoas mais velhas essa economia do contrabando especialmente na raia. Claro, a fronteira também cria oportunidades económicas (sorri). Agora o contrabando acabou, mas a rutura da fronteira e os fundos europeus criarom novos mapas e mercados a ambas margens do Minho. No tema económico, como nos musicais, há menos preconceitos que com os assuntos linguísticos. Além disso, podemos nom concordar em muitos assuntos, mas quando falamos da lusofonia em sentido alargado, há pouca gente que nom queira valorizar a potencialidade da nossa língua. Agora bem, se nom lançarmos a ideia da vantagem linguística, que sendo galegos pertencemos a todo um oceano de expressom da nossa língua, a comunicaçom com Portugal vai ser já agora e no futuro em castelhano.

Então, o dinamismo da área económica galego-portuguesa é já anterior à União Europeia?

É. De facto por isso é que chama muitíssimo a atençom, como comentei antes, que ainda a dia de hoje se tenham que fazer estudos de mercado para a viabilidade do comboio, numa das áreas mais densamente povoadas da Europa, e com o 50% dos trabalhadores transfronteiriços de toda a Uniom Europeia, por exemplo. Talvez se o comboio Vigo-Porto dependesse das necessidades das elites económicas de Bruxelas isto ficaria resolvido muito antes.

A Galiza e Portugal conformam um espaço geográfico estratégico no mundo atual (fachada atlântica)?

1561109464868_Galicia.pngConformamos um grande espaço atlântico, só que as nossas identidades galaicas som construidas desde a nossa periferia, como comentei antes. E também a quem beneficia internamente aqui estas identidades. E isto influi completamente no que achamos que é a nossa olhada. Uma das caraterísticas destas identidades é que o nosso lugar está longe de tudo ou que temos também muitas singularidades. Mas isto só é visto assim se nos olharmos desde o nosso leste. Se nos olharmos para o sul, temos outra. E nem sempre tam singular se nos compararmos com Minhotos ou Trasmontanos. Até poderíamos ver-nos popularmente como os Minhotos e Transmontanos da Coroa de Castela. Estou a brincar.

Historicamente no Seminário de Estudos Galegos e as Irmandades da Fala, Portugal tivo umha presença clara, como eixo fulcral da nossa identidade. Portugal interessava, e no galeguismo histórico houvo muitas propostas, que até no partido galeguista dos anos trinta se concretizou na arquitetura da Península Ibérica com propostas bem mais radicais que o mais radical que poidas ouvir hoje, ao falar de umha confederaçom ibérica, à suiza. E isto nada tem a ver com um Iberismo de dous Estados. Porque para o galeguismo, Portugal era o único contrapeso forte frente a hegemonia política-economica castelhana, agora madrilena, e até diria a hegemonia cultural andaluza. Vendo só uma semana qualquer TV emitida desde Madrid, que som a esmagadora maioria, ves estes dous eixos hegemónicos.

Voltando à geografia ecoemocional. Há uma pergunta interessante para fazer a qualquer pessoa com a que tenhamos confiança. Qual é o nosso sul? Para muita, o sul é Cádiz, e nom o Porto. No entanto, a cada vez mais, na nossa emocionímia Porto é a nossa Barcelona. E isto é a cada vez mais frequente para a gente nova galega, que maioritariamente fala castelhano e que foi educada em que o galego nom é uma língua para usar em Portugal porque som duas línguas diferentes. No entanto, ainda estamos longe de que essa emoçom seja convertida em referente geográfico inconsciente, de disparo rápido. Qual é o nosso sul? Portugal, obviamente. Isto é melhor? Depende para que assunto.

O outro dia contavam uns amigos meus, que tenhem umha filha de 18 anos que queria fazer uns estudos musicais mui especializados, sendo que a filha marchou para Barcelona. Eu digem, sem saber absolutamente nada, «ah, pois igual havia esses estudos no Porto». Matemático, havia no Porto. Essa olhada é a que ainda nom temos. Portugal, existe sobretudo como lugar de turismo ou estágios universitários e de empresa, mas nom institucionalmente como relacionamento estável. As universidades portuguesas tenhem muita relaçom com as universidades de Madrid ou Barcelona, nom se sai da lógica dos Estados. A gente nom di de criar relacionamento com a universidade do Porto, com a do Minho. No entanto, vamos devagarinho mas vamos. Isto é imparável.

As relações económicas vão à frente das sociais, culturais ou institucionais?

Com certeza. No jornal da Voz de Galicia apareceu uma notícia que dizia que nestes primeiros 6 meses do 2023 o segundo sítio que mais visitarom os galegos foi Madrid, com 288mil deslocamentos, e o primeiro sítio foi Portugal, com 800mil. Agora contrasta as infraestruturas para ir a um lado e outro. Contrasta o investimento público para essas relaçons económicas. Para Madrid? grandes investimentos públicos liderados agora polo AVE. Para Portugal?. Entre Madrid e Ourense existem 497km e o AVE demora 2h e 40minutos. Entre Vigo e Porto, há 149km de distância. O comboio demora 2h e 22minutos. Mas é que o AVE entre Vigo e Porto é na verdade um comboio entre Vigo e Tui que são 35km. Ainda estamos longe de uma mobilidade pública de qualidade entre a Galiza e Portugal.

A reintegração linguística tem um papel entre as outras integrações todas que parecem querer avançar?

Sim, mas para mim o interessante é o relacionamento por temáticas comuns, em que a língua desaparece como tema, que é um pouco a ideia do podcast e do substack do Centro. A ideia é tender pontes individuais e grupais entre gente à que lhe interessam os mesmos temas, e no que a língua simplesmente se naturaliza. Quantas pessoas tens de Portugal na tua agenda telefónica? E no teu e-mail? Isto é o caminho que pretendemos iniciar muito humildemente.

Mas indo à tua pergunta, quando foi da aprovaçom da Lei Paz Andrade chegou a falar-se de que os alunos ao sairem do bacharelato, através das aulas de galego, tivessem um título reconhecido de português, com um carimbo como um A2 ou um B1, nom lembro bem. Isso teria sido brutal. Por exemplo, nós na empresa recebemos muitos curriculuns de pessoal de aqui e ninguém pom que sabe português, e igual vem outro de Madrid, da Catalunha, do Pais Basco ou Andaluzia e ponhem que tenhem um B1, e qualquer pessoa da Galiza sem nada reconhecido poderia também colocar este nível. Isto finalmente foi eliminado da agenda.

Desde o meu ponto de vista, enquanto nom se retome a ideia da unidade da língua, nom é possível avanço nenhum. Acaba por ser aborrecido este couso das normas e tal. Unidade da língua. Os prós e os contras que traria. E isso nom é possível sem o contacto com Portugal. As normas de galego, e sobretudo as aulas de galego, meterom-nos as isoglossas em cada uma das nossas cabeças, e continuam. Vemos a língua com olhos de dialetólogos. E isso é interessante em termos antropológicos, mas não pode definir a nossa estratégia para a sobrevivência da língua. Por isso também é importante introduzir o português infelizmente como matéria separada. E isto tem de ser assim infelizmente enquanto as elites do galego não sejam conscientes que não é possível nem viável termos uma língua separada harmonicamente entre duas línguas tam próximas como o português e o castelhano. Se o fosse eu defenderia esta via. Mas nom é. Porque nom há espaço suficiente para uma terceira língua e ainda menos uma quarta ou quinta. Isto é para mim o que Carvalho Calero simplificou de jeito magnífico no seu famoso texto: O galego ou é galego-castelhano ou é galego-português. Nom há outra alternativa.

Por acabar com outra anedota. Tenho um amigo que deu aulas de galego no Courel, quando lhe perguntavam os alunos «como se diz isso?» – cadeira, respondia ele; «que vai ser ho!, diz-se silha», respondia o alunado. Depois dando aulas de português, «como se diz isso?» – cadeira, «ah, ok, cadeira».

Uma maior presença do português no ensino poderia ser um incentivo para um maior fluxo económico entre a Galiza e Portugal?

Eu desejo que isto esteja na agenda. Porque creio que só estám a ver essa oportunidade aqueles que nom tenhem a língua como prioridade. Ou seja, a relaçom com Portugal vai ser em castelhano como nós nom fagamos algo. E de feito, já está a ser.

Eu creio, fazendo um zoom –, que Espanha, como Estado, tinha que promover aprender a língua do pais vizinho, no ensino público. Cousa que Portugal está a fazer, com a introduçom do castelhano. Aliás, Espanha é observador da CPLP em grandíssima parte graças a nós, a Galiza. Entom, o ideal é que isso já estivesse feito, e nom está. Depois, nom sei de ensino, nem o encaixe exato nas leis, mas haveria que explorar o decreto do plurilinguismo, e que para além do 33€ de galego e o 33% de castelhano, o outro 33% de língua estrangeira fosse em português. Proposta já feita por escrito no PGL [Portal Galego da Língua] polo professor e investigador do CITIUS, Paulo Gamalho.

E depois, claro, o lógico seria termos aulas de português e também meter português nas aulas de galego, mas em termos informáticos, seria como instalar Linux dentro de Windows. Ou seja, dizer-lhes aos de Microsoft, mete Linux aí que nom passa nada…está tudo bem. E além disso, se som estudos oficialmente de línguas diferentes: porquê uma pessoa de galego está à partida mais preparada que alguém de castelhano ou inglês?

Instituições como o Eixo Atlântico ou a Comunidade de Trabalho Galiza-Norte de Portugal deviam ser revalorizadas? Deviam possuir mais funções e competências?

Eu vejo-o super interessante, todo o trabalho neste sentido. E viu-se durante a pandemia da covid, que o pessoal das eurocidades teve que reagir: «Ei, nós aqui temos muitíssima relaçom, é dizer, temos mais que com Santiago.» Na Galiza, e suponho que também noutros lugares do mundo, as pessoas socialmente estam mais atentas as suas necessidades que as Instituiçons, especialmente nos lugares mais pequechos. Parece-me um trabalho fantástico o que estam a fazer desde há muitos anos o Eixo Atlântico e também a Comunidade de Trabalho Galiza-Norte de Portugal. E obviamente também as entidades reintegracionistas que sempre pularom por esta relaçom. Espero que todas estejam no Observatório da Lusofonia recentemente criado.

Portugal apostou na Alta Velocidade para a faixa atlântica e na Galiza essa música soa bem a todos os atores políticos e económicos. Caminhamos para uma megacidade Lisboa-Ferrol?

Já estamos nela. Só há que ver as luzes noturnas da Península Ibérica na fachada atlântica. Agora só resta mobilidade sustentável, desde as alteraçons climáticas, assunto para mim fulcral. Na verdade é o assunto prioritaríssimo para todos os humanos. Sobre o da Alta velocidade de Portugal, o meu termómetro do que é preciso é a minha tia de Vigo, falante de castelhano e portanto longe das nossas guerrinhas, que o outro dia dizia «vamos de viaje desde el aeropuerto Sá Carneiro y no hay un tren para llegar a Porto… Porque no hacen el tren?» [«saímos do aeroporto Sá Carneiro para viajar e não há nenhum comboio para chegar ao Porto... Porque não fazem o comboio?»] Esta é a pergunta que a cada vez mais gente se fai na Galiza.

Fonte

Entrevista publicada em 6 de outubro de 2023 no Portal Galego da Língua.