Constou no Brasil que Portugal criticava o VOLP brasileiro por este país ter feito o seu vocabulário independentemente de Portugal, quando o acordo de 1990 previa um Vocabulário Comum. A Academia Brasileira de Letras (ABL) reagiu dizendo que o Art. 2.º do texto do Acordo prevê apenas a elaboração do vocabulário comum de termos da especialidade, e não um vocabulário ortográfico comum. Afirmou também que, portanto, o VOLP elaborado pela ABL é legítimo. Conclui: «o facto de Portugal não ter empreendido esforços para se juntar a esta empresa vota ao silêncio os argumentos fundados no domínio ortográfico brasileiro».
Ora há vários equívocos nestas considerações da ABL.
1. Que eu tenha conhecimento, não se criticou em Portugal a iniciativa do Brasil em fazer o seu VOLP para o novo AO. Em vários artigos tenho agradecido ao Brasil o empenhamento tão grande que tem em promover a nossa comum língua. O que tenho censurado é a inércia comparativa de Portugal.
Como já disse em anterior artigo, tenho elevada consideração pela ABL e pelo Professor Evanildo Bechara, com quem tive a honra de trocar impressões num almoço e num ciclo de apresentações sobre a língua portuguesa, que patrocinou.
2. Não é verdade que o Art. 2.º do Preâmbulo do Acordo de 1990 fale em "termos de especialidade". A referência exacta no acordo de 1990 é: "terminologias científicas e técnicas". Ora grande parte dos termos do Vocabulário duma língua tem de ser tratados pelo método científico (na sua história e uso); na linguística, um dicionário de termos é científico e pode ser muito abrangente; na técnica, figuram uma enormidade de termos comuns (quando consideramos a técnica do escutismo, devemos dizer escutista ou escotista?).
Mas deixemo-nos de `poeira de palavras´, meramente argumentativas na interpretação do texto do Preâmbulo, e vamos ao espírito do acordo. Fez-se o acordo de 1990 com a ideia de ter uma língua portuguesa comum planetária, não foi? Nesse objectivo, não era fundamental passarmos a ter um dicionário comum para toda a lusofonia? claro que era. Então, esse desiderato não implica que se tenha um vocabulário comum na língua, que englobe todas as variantes preferenciais nas várias comunidades linguísticas que têm a língua portuguesa como oficial? Consegue-se esse fim com um vocabulário comum só de especialidades?
A ABL pode defender o seu VOLP como uma obra notável, que realmente é, mas não parece justo que o seu impressionante trabalho seja agora considerado um Vocabulário Definitivo que sirva toda a lusofonia. A ABL pode dizer que considerou as variantes do português europeu, o que foi uma inegável gentileza; mas se o fez sem nossa indicação expressa caso a caso (como se infere da sua afirmação de que Portugal esteve fora da empresa), essa inclusão foi meramente de sua exclusiva responsabilidade e não compromete taxativamente Portugal.
3. Insisto que enquanto não houver uma entidade oficial que me obrigue, por exemplo, a escrever o coerdeiro brasileiro, eu continuarei a escrever co-herdeiro. É assim que está no texto do acordo, e como se escrevia no completo "Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa" publicado pela Academia das Ciências de Lisboa em 1940 (repare-se que a sigla brasileira VOLP se baseia numa designação portuguesa que já vem de 1940); no completo "Vocabulário da Língua Portuguesa" de Rebelo Gonçalves, de 1966, e como se escreve presentemente em Portugal, atestado nos dicionários já adaptados ao novo AO.
4. Aliás, Portugal não tinha nada de se juntar à empresa de fazer um VOLP brasileiro, mas tinha era de fazer o seu próprio Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, actualizado para o novo AO (como fez a Galiza). Seria com esses vocabulários, em conjunto com as participações dos outros países de língua oficial portuguesa, que poderia ser depois elaborado um Vocabulário Comum para toda a lusofonia, base do finalmente almejado Dicionário Comum da Língua Portuguesa, aceite por todos os países de língua oficial portuguesa.
Se este dicionário não for feito, o acordo de 1990 fica sem sentido.
5. Se queremos uma língua comum, é necessário continuarmos com o esforço de aproximação. Com mal-entendidos fomentam-se incompreensões que prejudicam a boa colaboração que sempre tem havido entre os especialistas da língua dos dois países. Assim não vamos lá, na comunhão pretendida com o AO de 1990 .
Atitudes altaneiras ou receios de que o Brasil pretenda o domínio na língua (um VOLP brasileiro intencionalmente generalizado reduz Portugal a uma influência mínima na língua) implicam o risco de o acordo não avançar mesmo em Portugal. E teríamos mais uma vez um (des)acordo, como em 1931, em 1945, etc., não obstante tanto trabalho generoso de aproximação.
6. Penso, por isso, que para evitar novo fracasso, não se deve, de maneira nenhuma, propor que o acordo entre já em vigor em Portugal, mas só quando houver um Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa para Português Europeu, actualizado segundo o novo AO. Isto para que fiquemos tranquilos de que as nossas variantes serão bem defendidas e incluídas num Dicionário Comum da Língua Portuguesa. De tenaz defensor do novo AO, passei a ser um tenaz opositor enquanto não houver esse nosso vocabulário.
7. Não posso responsabilizar exclusivamente a nossa Academia das Ciências de Lisboa por este estado de coisas. Os governantes brasileiros respeitam e investem seriamente na comum língua; Portugal não faz nada equivalente; esta é que é a verdade. Mas a indiferença dos meus governantes por um dos símbolos nacionais não me obriga a deixar de estimar a história da minha língua e a defender as soluções preferenciais do meu país.