Em 18/11/00, o jornal Expresso trouxe a lume o, há tanto tempo esperado, dicionário de Português Contemporâneo da Academia das Ciências, a lançar em Janeiro de 2001.
O artigo enfatizava a oficialização da grafia dos estrangeirismos correntes no referido dicionário e, em contraste, fazia alusão à abolição dos termos ingleses nas grandes empresas brasileiras. Note-se!
Dos termos a oficializar no dicionário, que preenchem uma lista de quatro mil (não é brincadeira), o jornal dava exemplos, como: "stand", que passaria a "stande"; "stress", que passaria a "stresse"; "scanner", que passaria a "scâner"; "iceberg", que passaria a "iceberge", mas continuando a ler-se "aicebergue".
Não se fizeram esperar as reacções das instituições, meios e classes ligadas à cultura em geral e à Língua Portuguesa em particular, e também de cidadãos comuns que, ainda, não foram absorvidos pelo consumismo e se atrevem a pensar nestas coisas. As críticas ouvidas visavam, essencialmente, a grafia proposta, dizendo-se que palavras começadas por "st" ou "sc" atentavam contra a índole da língua; e, no caso de "icebergue", (leia-se "aicebergue") era o próprio valor das letras que estava em causa. Mas, como noutras coisas neste país, não apareceu publicamente qualquer reacção organizada. É como diz o aforismo: «enquanto o cão ladra, a caravana passa».
Todavia, o valor das coisas não está na intensidade dos movimentos contestatários que estas possam gerar nesta sociedade, cada vez mais materializada.
Assim, eu aproveito este espaço para comunicar, na qualidade de mero cidadão português, o que me parece importante. É que penso ser uma inútil perda de tempo, discutir-se o problema ortográfico de meia dúzia de termos (desconhece-se a ortografia dos restantes, e que são milhares), sem se atender, primeiro, à ou não necessidade desses vocábulos na Língua Portuguesa . Pois, se não forem necessários, não vale a pena criticar a sua grafia.
Ora se dermos uma vista de olhos pelos exemplos focados no artigo, veremos rapidamente que quase todos têm equivalência em português.
Isto significa que, na realidade, não se trata de neologismos, os quais devem conter conceitos novos, não traduzidos pelas nossas palavras, mas sim de barbarismos desnecessários, que encaixados forçadamente, e sabemos quem são as forças actuantes, levam à exclusão dos termos vernáculos que lhes equivalem. E, normalmente, cada palavra estranha exclui vários, dada a nossa maior especificidade. Como exemplo dos mais notórios, temos o do "stress", que poderá levar à perda de dezenas de vocábulos portugueses, muito usados e enraizados, há muito na nossa língua. Pelo que, quando a Academia diz aceitar integralmente estrangeirismos, mesmo de equivalência fácil, argumentando o seu uso corrente, é um critério incongruente.
Desta forma, os que pretendem convencer de que todos os estrangeirismos enriquecem a língua, é bom que reflictam nisso. Outra declaração da Academia, que considero preocupante, é quando diz: «que o Português deve estar aberto á entrada de estrangeirismos, como condição para se desenvolver».
Esta filosofia afigura-se-me falaciosa, visto que uma língua se desenvolve na razão directa em que se desenvolve a sociedade que a fala e vice-versa. Há, pois, como que uma realimentação recíproca; uma interacção mútua.
Ora uma sociedade evoluciona por novos conceitos, novas ideias, novas situações, novas descobertas. Mas, as palavras, para tudo isto exprimir, são aquelas que cada língua atribui. Não é, portanto, o termo forâneo que desenvolve o Português, mas sim o seu significado, quando encerra algo de novo. Nestes casos, estamos, certamente, em presença de estrangeirismos que traduzem conceitos necessários. E como são neologismos, raramente se encontrará, na língua, equivalência directa, o que não significa termos imediatamente de os aceitar, mas sim explorar todas as hipóteses, não descurando a criação de substitutos. É neste aspecto, que o artigo em questão muito me surpreende ao não dar soluções, excepto a pronta aceitação do respectivo termo, quando temos, ainda, possibilidades de usarmos termos de significância próxima, alargando-lhes o campo semântico ou, como já se disse, a sua criação.
É claro que a Academia domina perfeitamente as técnicas da terminologia, mas revela falta de coragem para as aplicar em prol da vernaculidade.Talvez receie enfrentar a portentosa máquina dos que manipulam a língua a seu bel-prazer, desconcertando-a e denegrindo-a continuamente. Se assim for, poder-se-á explicar o porquê das tão leves alterações na adaptação dos vocábulos em questão, que nem dão para os disfarçar, e a razão por que diz que a língua não se impõe por decretos. Penso de forma diferente e acho que, se a língua não se faz por decretos, estes servem para regulamentar o seu uso e evitar que ela descambe na bagunça, da qual se abeira.
As línguas, quanto mais evolucionam, mais cuidados requerem, e algum organismo estatal terá de os prestar, sob pena de elas retrocederem.
Do exposto não quero que se ilate que sou radicalista na não aceitação das palavras estrangeiras; claro que não, mas só as aceito, quando não se vislumbrar alternativa satisfatória.
Termino, pedindo à Academia das Ciências que se tiver mesmo de publicar o dicionário num tempo próximo, que o faça juntando, se possível, os estrangeirismos em apêndice, com a grafia original e com a indicação da sua procedência. Se forem colocados no corpo principal do dicionário, que tenham a indicação de palavra estrangeira, assinalando-se a sua origem.
Assim, e de acordo com certa corrente linguística, permanecerão, pois, como termos de empréstimo. Quando houver substitutos, eles sairão.
Cf. "Dicionário da Língua Portuguesa Contemporâneo" da Academia das Ciências de Lisboa
Texto enviado por um consulente.