O editorial do Expresso de 1 de Dezembro estranha aquilo a que chama a minha defesa do proteccionismo como modelo, no tocante ao Acordo Ortográfico. E, face ao lead que o encima, terei de ver a minha posição displicentemente catalogada nos "nacionalismos balofos".
Se defender a preservação, a valorização e a divulgação da língua portuguesa como elemento identitário, meio de criação e expressão cultural ao longo de séculos, instrumento de comunicação quotidiana, traço de união entre Portugal e o resto do mundo corresponde a ser proteccionista, devo dizer que tenho a maior honra em sê-lo, tanto no plano nacional como no internacional.
E se se entende por proteccionismo o propósito de acautelar legitimamente os não menos legítimos interesses da edição portuguesa que, pelo seu mérito, qualidade e capacidade de resposta, tem batido a concorrência dos grandes grupos internacionais nos países africanos, também faço questão de apoiar as modalidades adequadas de salvaguarda desses interesses também geostratégicos, chamem-lhe proteccionismo ou apito. Nem percebo o que é que o Expresso acha de criticável nisso. Temos ou não temos determinados interesses vitais a defender?
"Se Portugal não se preparou, devia tê-lo feito", diz o editorial. O que é que isto quer dizer? Que se devia ter posto o carro à frente dos bois e feito uma preparação ruinosa, demorada e inútil quanto a uma trapalhada que ninguém podia levar a sério nem acreditar viesse a entrar em vigor?
Saberá o Expresso que na grafia brasileira se optou por suprimir as consoantes mudas na esteira de intelectuais empenhados na construção de uma brasilidade autóctone e distanciada, quando não rejeitadora, de raízes e matrizes portuguesas? Lembro-me de um texto de Mário de Andrade em que o autor de Macunaíma anunciava passar a escrever desse modo.
Só posso ver na concepção subjacente ao editorial em apreço um darwinismo sociocultural mais do que ultrapassado e que pode traduzir-se assim: temos de sujeitar-nos à lei do mais forte, pois, de outro modo, "se Portugal não avançasse para um acordo com o Brasil (.), em breve o português de Portugal não seria mais do que uma bizarria falada por uns meros 10 milhões de pessoas".
Isto é deveras extraordinário, quando não balofo: há mais de 60 anos que o Brasil não dá cumprimento ao acordo anterior e há perto de vinte que se vive sem o acordo de 1990. Em tantas décadas, acaso o português de Portugal se tornou uma bizarria? É assim que o Expresso vê o estado actual da nossa língua? É assim que encara as nossas relações com os PALOP nesse plano?
Por ironia do destino, o suplemento Actual da mesma edição de 1.12.07 publica um artigo muito interessante sobre a língua inglesa no mundo e as suas múltiplas e significativas variantes. Não consta que haja qualquer veleidade de negociar acordos ortográficos e também não se afigura que o inglês de Inglaterra esteja em risco de se transformar numa "bizarria" falada por muito menos milhões de pessoas do que a totalidade dos falantes de inglês à escala do planeta. O mesmo se diga do espanhol.
Nem vale nada a invocação dos programas informáticos e do software dos correctores, ou então os computadores de língua inglesa não poderiam operar com termos como action ou exception e coitados dos alemães e dos franceses! O Expresso não entendeu que são as relações da grafia com a etimologia e com a pronúncia, e mais nenhumas, que estão em discussão.
Mas o mais absurdo, e nisso o editorial acompanha as luminárias que engendraram o Acordo, está em se pensar que cerca de 1,5% de vocábulos do português de cá e cerca de 0,5% de vocábulos do português lá, desde que alterados, asseguram a unidade da língua. Nem parece do Expresso supor uma coisa dessas! É evidente que não contribuem absolutamente para nada, a não ser para que ela seja desfigurada e para aumentar exponencial e inutilmente confusões, dificuldades e custos de toda a espécie, pelo menos do lado português.
Terá o Expresso o provinciano complexo de inferioridade de pensar que o que acontece no mundo com o inglês e com o espanhol não pode acontecer com a língua portuguesa? Mas pode sossegar: felizmente, não corre o risco de ser publicado em "bizarrês".
in Diário de Notícias, de 12 de Dezembro de 2007