A propósito do que escreveu o jornalista Nuno Pacheco na crónica Ascensão e queda dos pontinhos voadores, como aí refere, continuo a pensar que o trema era muito útil na distinção da pronúncia do u. Insisto que devia ser didaticamente facultativo, contra os simplificacionistas.
Enquadra-se no meu conceito de que devem ser facultativas e não proibidas as utilizações gráficas na língua que facilitem a aproximação com a pronúncia do falante, geral na sua comunidade. Ora isto é muito diferente de impor taxativamente o critério fonético, proibindo formas consagradas. Por exemplo, ser escravo do critério fonético é obedecer à imposição de que se escreva aceção, sem a consoante da sequência, dividindo a língua, pois até ao primeiro vocabulário abusivo para o Acordo Ortográfico de 1990 (AO90), que antecedeu o do ILTEC e lhe serviu de orientação, acepção era única no universo da língua, e assim continua no Brasil (além disso, cegamente,deixando que presentemente fique a ambiguidade da pronúncia com acessão). Num outro exemplo, também pugno que quem pronuncia o p em Egipto assim possa escrever a palavra, em coerência com egípcio.
Aliás, o projeto radical de 1986, que iniciou a liquidação das consoantes das sequências(embora muitas fossem úteis no seu valor diacrítico para Portugal), aceitava tolerantemente que o escritor escolhesse suprimir ou não a consoante não articulada (por exemplo, corrector e corretor são bem diferentes). Os obreiros dos primeiros vocabulários para Portugal para o AO90 é que decidiram enveredar pelo ostracismo sempre das consoantes ditas mudas, sem se importarem com as consequências e impondo uma regra que o AO90 não exigia.
Estes pretensos donos da língua deram “ordem” para que os signos ortográficos estivessem só de acordo com uma prosódia que muitas vezes nem toda a gente sabe qual é a correta, imposta a todas as comunidades do país. Muitos falantes, na dúvida, ficaram a pensar que se aplicava também a compacto, adepto, facto...
O lema base de orientação de Ciberdúvidas, que me habituei a respeitar quase desde o início da sua fundação, é que «Um rio sem margens desaparece»: uma língua sem regras desagrega-se entre os vários falantes. Mas, por outro lado, Ciberdúvidas tem conservado a minha colaboração graciosa estes anos todos (quando muitos a abandonaram) porque a sua regra de ouro é também a tolerância (lembrando os saudosos Neves Henriques ou Vasco Botelho do Amaral). Ciberdúvidas sempre acolheu todos os pareceres corteses que fossem úteis ao estudo da língua, mesmo que contrariando convicções generalizadas.
De facto, também quando se apertam em excesso as margens do rio, ele transborda. A língua não se deixa meter entre talas, e o risco dos abusos é, na revolta, a linguagem SMS se generalizar.
Mas estou a gastar cera inutilmente, até em defesa do AO90, que sigo na generalidade. Quem alinha na abusiva aplicação do AO90, como está a ser feita, continua a mandar na língua em Portugal. Veremos se Moçambique e sobretudo Angola irão conformar-se em seguir Portugal, o que duvido muito. Ora, enquanto não for geral,o AO90 não cumpriu o seu objetivo.
Cf. XII Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP + Declaração de Santa Maria sobre XII Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP + CPLP aprova“Declaração de Santa Maria” + Aprovada recomendação de "esforços para implementação do Acordo Ortográfico" na Cimeira da CPLP + Cabo Verde acolhe conferência internacional sobre futuro da língua em 2019 + Presidente da República de Cabo Verde diz ser preciso acarinhar e preservar a língua portuguesa + Nova diretora do IILP assegura Acordo Ortográfico em toda a CPLP «ao ritmo e possibilidades de cada país» + Parlamento rejeita desvinculação de Portugal do Acordo Ortográfico