«(...) A Índia constitui um verdadeiro caleidoscópio linguístico e cultural, compondo milhares de pequenos mosaicos diferentes, nem sempre pacíficos ou fáceis de gerir. (...)»
Comemoraram-se, a 15 de agosto de 2022, 75 anos da Independência da Índia. A efeméride ter-me-ia passado despercebida, não fosse uma publicação no Facebook do Shiv Kumar Singh, leitor de hindi da Faculdade de Letras de Lisboa e também tradutor e autor do Dicionário de Hindi-Português-Hindi (Colibri, 2018).
A Índia é só o segundo país mais populoso do mundo, logo atrás da China, com uma população estimada de quase mil e quatrocentos milhões de almas. É também o sétimo mais extenso, atrás da Rússia, Canadá, China, Estados Unidos e Austrália. Faz fronteira com o Paquistão a oeste, e, no sentido horário, com a China, o Nepal, o Butão, o Bangladexe e Mianmar. É, ainda, berço de quatro grandes religiões (o hinduísmo, o budismo, o jainismo e o siquismo) e lar de muitas mais.
A Índia, de maioria hindu, e o Paquistão, de maioria muçulmana (junto com o que hoje corresponde ao Bangladexe e a Mianmar), constituíam a chamada Índia Britânica ou o Raj Britânico. Foi no momento da independência que o Paquistão (14 de agosto de 1947) e a Índia (no dia seguinte), se cindiram, dando origem a dois países distintos, cujas relações não são, ainda hoje, pacíficas; esta cisão levou a grandes deslocações de pessoas, muçulmanos rumo ao Paquistão, hindus e siques rumo à Índia. Portugal manteve três enclaves em território indiano, Goa, Damão e Diu, até 1961.
A Índia constitui um tesouro inestimável para quem se interessa por linguística histórica, tipologia linguística, sociolinguística e política linguística, para referir apenas algumas áreas de estudo. Os dados censitários sobre as línguas maternas faladas na Índia, ainda válidos (os de 2021 ainda não estão disponíveis) são ainda os de 2011. Nestes, os entrevistados indicaram mais de dezanove mil e quinhentos nomes de línguas ou dialetos que consideravam suas línguas maternas. Não sendo estes dados, em bruto, fiáveis, foi-lhes aplicado um escrutínio linguístico, que forneceu o número, ainda assim impressionante, de 1369 línguas maternas; destas, 121 são línguas maternas de pelo menos 10 000 habitantes. A depuração a que os dados foram sujeitos é uma prova de quão difícil é estabelecer estatísticas linguísticas. Com tal diversidade, é perfeitamente natural que cada indiano fale duas ou três línguas no seu dia a dia.
As línguas da Índia estão agrupadas em seis famílias -- as indo-arianas (ramo das indo-europeias que inclui o hindi), as dravidianas, as austro-asiáticas, as tibeto-birmanesas, as tai-kadais e as andamanesas. Na Ásia Meridional, surgiram diversos crioulos de base lexical portuguesa, conhecidos, em conjunto, como «indo-português»; sobrevivem, na Índia, os de Diu, Damão, Korlai e Cananor.
O conceito de «língua nacional» não é usado no país. As línguas oficiais da União Indiana e sua administração são o hindi escrito em devanágari (sistema usado para o sânscrito) e o inglês. Além do inglês, a Constituição de 2007, estabelece 22 oficiais:
assamês, bengalês, boro, dogri, guzerate, hindi, canará, caxemiriano, concanim, maitíli, malaiala ou malabar, manipuri, marata,
nepalês, oriá, panjábi,sânscrito, santale, sinde, tâmil, telugo e urdu; com exceção do hindi, a oficialidade das línguas é de natureza estatal.
Com todas estas línguas, culturas e também religiões, quais fragmentos de vidro coloridos, a Índia constitui um verdadeiro caleidoscópio linguístico e cultural, compondo milhares de pequenos mosaicos diferentes, nem sempre pacíficos ou fáceis de gerir.
Espero ter despertado a curiosidade do leitor.
Artigo da linguista e professora universitária portuguesa Margarita Correia, publicado no Diário de Notícias de 22 de agosto de 2022.