O adjetivo preto tem, como significado primordial, a noção de cor, a cor «mais escura de todas por oposição ao branco», esclarece-nos o dicionário.
A palavra preto pode ser usada, entre outras da mesma natureza, para apontar um elemento diferente no seio de um grupo, exatamente porque permite marcar a diferença e a oposição: «levo o amarelo ou o preto?», poderíamos perguntar, procurando individualizar dois vestidos. Neste sentido, o adjetivo é usado como tantos outros que permitem especificar unidades num conjunto: alto/baixo, grande/pequeno, redondo/quadrado…
A questão não tem, todavia, a mesma dimensão quando se procura distinguir pessoas. Apontar-se, num grupo que inclua indivíduos de cor preta e de cor branca, apenas os de cor preta, para os distinguir dos restantes, é um potencial indício de pensamento de matriz racista. A intenção poderá não ser conscientemente depreciativa, mas a linguagem não é neutra e arrasta consigo significados e ideologias de que é preciso ter consciência.
Uma das grandes missões da humanidade será a de mudar o pensamento que está por detrás da linguagem discriminatória, mas enquanto tal não acontece, ative-se a consciência linguística no momento das escolhas. Tal como não usamos palavras grosseiras em determinados contextos, recusemos as palavras que magoam e fazem de nós seres feios em todos os contextos.
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[AUDIO: Carla Marques - Preto]
Apontamento da autora no programa Páginas de Português, emitido na Antena 2, no dia 23 de maio de 2021.