«(...) Antigamente, os órgãos de comunicação social funcionavam de outra maneira. Agora é ligeiramente diferente. O jornalista faz comentários indecentes, o revisor é o leitor, que chama a atenção para incorrecções (....)»
Primeiro, um jornalista da Lusa, chamado Hugo Godinho, escreveu uma notícia em que, numa lista de deputados, o nome de Romualda Fernandes aparecia com a seguinte indicação entre parêntesis: (Preta). Na Lusa, ninguém reviu a notícia e ela seguiu para as redacções. Depois, vários outros meios de comunicação social receberam a notícia e também a republicaram sem a rever. Quando, finalmente, a notícia foi lida por um Homo sapiens sapiens, percebeu-se que talvez o texto tivesse um pequenino problema, e alguém tentou apurar responsabilidades. Na melhor das hipóteses, foram dar com Hugo Godinho um pouco corado de vergonha. Muito embora, pelo modo como concebe notícias, se perceba que talvez ainda esteja um bocadinho verde para trabalhar na agência Lusa. Apesar de escrever como um camisa castanha. Como se vê, o caso tem mais cores do que um arco-íris.
Antigamente, os órgãos de comunicação social funcionavam de outra maneira. Ainda me lembro: o jornalista escrevia a notícia, o revisor chamava a atenção para incorrecções, a notícia era corrigida e publicada, e depois o jornal ia parar a uma tasca onde um bêbado talvez fizesse comentários indecentes. Agora é ligeiramente diferente. O jornalista faz comentários indecentes, o revisor é o leitor, que chama a atenção para incorrecções mas já não chega a tempo de evitar a publicação da notícia no jornal, que vai parar a uma tasca onde um bêbado talvez diga: sim senhor, bom jornalismo.
O rigor que se perdeu na verificação dos factos ganhou-se no apuramento da cor da pele dos deputados. Infelizmente, por uma razão desconhecida, o jornalista da Lusa pesquisou apenas a cor da pele de uma deputada, o que sabe a pouco de várias maneiras. Primeiro, porque ficamos sem saber a cor da pele dos restantes deputados. Segundo, porque a informação acaba por ser vaga. Como leitor, gostaria de saber a exacta referência do Pantone que corresponde ao tom da pele de todos os deputados. Terceiro, porque não há nenhuma boa razão jornalística para ficarmos apenas pela cor da pele. A cor dos olhos ou do cabelo, por exemplo, pode ser uma informação igualmente útil. O jornalismo de investigação cromática está ainda a dar os primeiros passos, e tem um longo caminho pela frente.
Cf. Jornalista da Lusa diz que erro em notícia era «nota pessoal» + Deputada Romualda Fernandes sobre notícia da Lusa. «Não foi um lapso, nem um erro» + «A Lusa não é isto». Jornalistas repudiam "insulto" à deputada Romualda + PCA da Lusa pede desculpas a Romualda Fernandes e ao grupo parlamentar do PS + Claros escuros da Lusa + Continuam a marcar-se os (pretos) com ferro quente
Crónica publicada na revista Visão no dia 20 de maio de 2020. O autor escreve de acordo com a norma ortográfica de 1945.