« (...) O português mulher, assim como o espanhol mujer, provém do latim mulier, «mulher em geral», mas, sobretudo «mulher casada, esposa» (como no italiano moglie, «esposa»), o que significa que mulher de verdade é a casada (...).»
No Dia Internacional da Mulher, vale a pena mergulharmos nos significados primitivos – isto é, na etimologia – da palavra mulher em várias línguas.
O português mulher, assim como o espanhol mujer, provém do latim mulier, «mulher em geral», mas, sobretudo «mulher casada, esposa» (como no italiano moglie, «esposa»), o que significa que mulher de verdade é a casada, o que faz sentido numa sociedade como a romana (e por séculos também a nossa) em que o destino da mulher jovem e virgem (virgo em latim) era casar-se; a mulher adulta que não fosse casada era alvo de desprezo, pois ou era prostituta ou solteirona (e, neste último caso, nas sociedades católicas ia para o convento).
O francês femme remonta ao latim fēmina, «fêmea», que se opunha a mās, «macho». Portanto, a mulher era vista como a fêmea do homem (e não o homem como o macho da mulher), revelando uma visão androcêntrica – ou falocêntrica, como querem as feministas – do mundo; numa palavra, uma visão machista.
Como curiosidade, fēmina remete à raiz latina fē-, que também aparece em fecundar e significa «parir». Ou seja, a qualidade distintiva da fêmea em geral e da mulher em particular é o dom de dar à luz, de procriar.
Em inglês, woman também remete à ideia de fêmea, já que provém de wīfman, que no inglês antigo era a composição de wīf, «fêmea» (que deu o inglês moderno wife, «esposa»), e man, «homem». Portanto, wīfman era a fêmea do homem.
O italiano donna provém do latim domina, «senhora, mulher casada, dona da casa» (e, posteriormente, «dona de casa»), e tem, portanto, a mesma etimologia que o português dona. Logo, a mulher confunde-se com a esposa do dominus («dono da casa, chefe da família»).
A mesma visão de mundo reflete-se no alemão Frau, igualmente «mulher» e «senhora». A palavra original para «mulher», Weib (cognata do inglês wife), vem caindo em desuso (cerca de 8.250.000 ocorrências no Google contra cerca de 251.000.000 de Frau).
Uma observação curiosa: em alemão, Frau é palavra feminina, enquanto Weib é neutra. É errado associar gênero gramatical com sexo biológico, mas esse dado não deixa de chamar a atenção.
Nas línguas escandinavas, temos kvinna (sueco), kvinne (norueguês) e kvinde (dinamarquês), todas cognatas do inglês queen, «rainha». Não é que os escandinavos considerem toda mulher como uma rainha (o que até seria justo): na verdade, o étimo de todos esses termos queria dizer apenas «mulher»; o inglês é que especializou o termo como «a esposa do rei».
Por sinal, a raiz indo-europeia de queen, kvinna, etc., é a mesma do grego gyné, «mulher», que aparece em ginecologia, por exemplo.
Qualquer que seja a etimologia do vocábulo, seja «mulher, fêmea, senhora, rainha», meus parabéns a todas vocês.
Publicação do autor no seu blogue Diário de um Linguista, em 8 de março de 2021.