Geralmente, nem damos conta de que usamos várias palavras por falta de termos próprios. Quando dizemos, por exemplo, «marmelada de laranja», estamos a fazer uma espécie de metáfora, comparando o doce de marmelo ao doce de laranja…
O mesmo acontece em muitas outras situações. Alguns exemplos:
– o CÉU da boca
– um DENTE de alho
– o BRAÇO da cadeira
– a PERNA da mesa
– o NARIZ do avião
– VINAGRE de maçã
– CHÁ de limão
– EMBARCAR no avião
– ÁRVORE genealógica
Quando estive na tropa em Moçambique, nos anos 70, a Sala do Soldado da minha companhia tinha à venda algumas variedades de refrescos, tipo xaropes, como capilé, groselha, salsaparrilha, etc. Achava graça ouvir os soldados pedirem «um capilé de groselha» ou «um capilé de salsaparrilha»…
Consiste, pois, este fenómeno linguístico em darmos às palavras uma significação que elas não têm, por falta de termos próprios. Estamos perante uma espécie de “metáforas desgastadas” que deixaram de ser consideradas metáforas pelo seu uso contínuo.
Este fascinante recurso tem um nome: catacrese (do grego “κατάχρησις” [katákhrêsis], uso, uso impróprio, emprego abusivo).
O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa define catacrese como «uma metáfora já absorvida no uso comum da língua, de emprego tão corrente que não é mais tomada como tal, e que serve para suprir a falta de uma palavra específica que designe determinada coisa».
Nas Aventuras de Tintim, são célebres os impropérios do capitão Haddock, que até usa recursos linguísticos para invetivar os seus interlocutores: «Mas eu não estou a insultá-lo, seu catacrese! Eu estava a falar com um papagaio que… Alô?... Alô?...»