Um texto de Sandra Duarte Tavares, ainda à volta da (errada) utilização do verbo abusar na voz passiva, nos media portugueses.
a) A forma participial abusado só por si não constitui erro algum. Corresponde ao particípio passado de um verbo da primeira conjugação – abusar. (Tal como: estudar – estudado; gostar – gostado; comprar – comprado; maltratar – maltratado.)
Assim, é possível termos a estrutura composta «ter abusado», em construções participiais ativas como 1:
1. «Esse indivíduo tem abusado frequentemente dessas crianças.»
b) O erro sintático prende-se com o uso do particípio abusado com o verbo auxiliar ser, em construções participiais passivas como 2:
2.* «Essas crianças têm sido abusadas frequentemente por esse indivíduo.»
A frase 2 tem uma incorreção sintática, porque o verbo abusar não permite construções passivas. E porquê?
Porque é um verbo transitivo indireto, ou seja, é um verbo que é acompanhado de uma preposição.
Assim, verbos como conversar (com), obedecer (a), gostar (de) e abusar (de) admitem apenas construções ativas, e nunca passivas. Observem-se as seguintes construções passivas totalmente impossíveis em português:
3. «A Maria conversou com o Pedro.»
4. *«O Pedro foi conversado pela Maria.»
5. «O Pedro obedeceu aos pais.»
6. *«Os pais foram obedecidos pelo Pedro.»
7. «O Pedro gosta da Maria.»
8. *«A Maria é gostada pelo Pedro.»
Do mesmo modo, do ponto de vista sintático, não é possível termos a estrutura 10:
9. «O homem abusou da criança.»
10. *«A criança foi abusada pelo homem.»
Uma vez que não é legítimo o uso de passiva com este verbo, sugere-se o uso de uma perífrase, como 11:
11. «A criança foi vítima de abuso.»
c) Os verbos maltratar e vencer, ao contrário do verbo abusar, são verbos transitivos diretos, pelo que admitem estruturas passivas:
12. «O homem maltratou a criança.»
13. «A criança foi maltratada pelo homem.»
14. «David venceu o gigante.»
15. «O gigante foi vencido por David.»
Nota: O sinal * indica que a frase é agramatical, ou seja, incorreta do ponto de vista sintático.