A expressão tradicional é mesmo «dois pesos e duas medidas», conforme se pode depreender do texto bíblico, mais precisamente do Deutoronómio 25: 13-16. Apresenta-se a versão latina da Vulgata, a tradução em português e a Bíblia do Rei Jaime I, em inglês. Nos três casos referem-se sempre dois pesos e duas medidas: «pondera maius et minor», «modius maior et minor»; «pesos, maior e menor» e «um alqueire maior, e outro mais pequeno»; «divers weights, a great and a small» e «divers measures, a great and a small».
«13 non habebis in sacculo diversa pondera maius et minus
14 nec erit in domo tua modius maior et minor
15 pondus habebis iustum et verum et modius aequalis et verus erit tibi ut multo vivas tempore super terram quam Dominus Deus tuus dederit tibi 16 abominatur enim Dominus eum qui facit haec et aversatur omnem iniustitiam»
Bíblia Sagrada contendo o Velho e o Novo Testamento – Traduzida em Portuguez segundo a Vulgata Latina por António Pereira de Figueiredo, Lallement Frères, Typ. Lisboa, 1879:
«13 Não terás no teu sacco diversos pesos, maior e menor:
14 Nem haberá em tua casa um alqueire maior, e outro mais pequeno:
15 terás um peso justo, e verdadeiro, e o teu alqueire será egual, e sempre o mesmo: para ssim viveres muito tempo na terra, que o Senhor teu Deus te der:
16 Porque o Senhor teu Deus abomina o que faz estas cousas e aborrece toda a injustiça.»
«13 Thou shalt not have in thy bag divers weights, a great and a small.
14 Thou shalt not have in thine house divers measures, a great and a small.
15 But thou shalt have a perfect and just weight, a perfect and just measure shalt thou have: that thy days may be lengthened in the land which the Lord thy God giveth thee.
16 For all that do such things, and all that do unrighteously, are an abomination unto the Lord thy God.»
A expressão deve ser entendida não como referente a uma realidade («peso») que é avaliada de duas maneiras diferentes («duas medidas»), mas, sim, como relativa a maneiras diferentes de avaliar, tanto com unidades de peso como com unidades de medida. Leia-se em inglês o seguinte comentário de uma página dedicada a estudos judaicos da Bíblia:
«The biblical injunction, "You shall not have in your pouch alternate weights, larger and smaller; you shall not have in your house alternate measures, a larger and a smaller; you must have completely honest weights and completely honest measures" (Deut. 25:13–15) was interpreted not as prohibiting any fraud by means of false weights and measures (which is dealt with in Lev. 19:35–36), but as applying to the manufacture or possession of any weights or measures, including utensils (such as pots or pitchers), which might be used for weighing or measuring and cause false weighing or measuring (BB 89b; Maim. Yad, Genevah 7:3; Sh. Ar., ḤM 231:3).» (em http://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/judaica/ejud_0002_0020_0_20697.html)
Ou seja, a condenação recai sobre o uso de pesos e medidas diferentes, e não sobre a situação de um volume («peso») que é avaliado de duas maneiras diferentes («duas medidas»).
Quanto a «mal e parcamente»/«mal e porcamente», cf. http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=21118, observe-se, no entanto, que, apesar do que é dito por Reinaldo Pimenta, A Casa da Mãe Joana, vol. 1 (Editora Campus, Rio de Janeiro), a expressão mais usada é «mal e porcamente», que é típica do registo familiar (cf. Houaiss XXI; Orlando Neves, Dicionário de Expressões Correntes; António Nogueira Santos, Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas – Português). Acrescente-se que, no Corpus do Português (de Mark Davies e Michael Ferreira), só se recolhe uma ocorrência de «mal e parcamente» (num texto do século XX, de caráter gramatical, de certo modo a repetir o que Reinaldo Pimenta refere), enquanto se acham três ocorrências de «mal e porcamente» (duas em textos oitocentistas de autores brasileiros), o que sugere que «mal e porcamente» já se encontra há muito enraizado no uso.
Em suma, em relação a «dois pesos e duas medidas», a versão «um peso, duas medidas», por muito coerente e lógica que seja (e até cada vez mais usada), não corresponde nem à forma mais corrente nem à forma histórica, pelo que querer substituir uma por outra é um comportamento que, por enquanto, se enquadra nas atitudes de hipercorreção. No segundo caso, sem negar a explicação de Reinaldo Pimenta (que não encontramos confirmada noutras fontes), verifica-se que se trata de uma expressão cuja alteração ou deturpação já tem longa tradição no uso.