DÚVIDAS

Ainda «Veja(m)-se as seguintes...»

Na consulta a Sandra Duarte Tavares, em 14/02/2012, sob o título Análise de «Veja(m)-se as seguintes...», estranhei a resposta. No Brasil só admitimos o plural, considerando que se trata de voz passiva analítica, em que o sujeito é «as seguintes», e a partícula se é pronome apassivador.

Humildemente e no meu fraco entender a respeito de outras possibilidades, quero saber qual seria a função da partícula se no caso de usarmos o singular «Veja-se as seguintes».

Resposta

Do ponto de vista sintático, são legítimas ambas as estruturas, ou com o verbo no plural, ou com o verbo no singular, uma vez que estamos perante um verbo transitivo direto: Alguém vê alguma coisa.

Ambos os morfemas ocupam uma posição argumental na frase, isto é, são argumentos do verbo ver, porém, desempenham uma função sintática distinta.

Na estrutura «veja-se as seguintes transcrições», em que o verbo se encontra no singular, o se é interpretado como nominativo (ou indefinido), desempenhando, assim, a função sintática de sujeito.

Na estrutura «vejam-se as seguintes transcrições», em que o verbo se encontra no plural, o se é interpretado como uma partícula passiva, desempenhando, assim, a função sintática de complemento agente da passiva.

Observe(m)-se as propriedades de cada se:

1. Se inequivocamente nominativo/indefinido.

O verbo encontra-se no singular; o se é o sujeito da frase (sendo substituível pela expressão “alguém”); não é possível termos paráfrases passivas: 

a) «Não se deve mentir.» (* «Não deve ser mentido.») 

 

b) «Vive-se depressa de mais hoje em dia.» (* «É vivido depressa de mais.»)

2. Se inequivocamente passivo.

O verbo encontra-se no plural; o se é o complemento agente da passiva; o constituinte nominal é o sujeito da frase; é possível termos paráfrases passivas:

c) «Aceitam-se cartões de crédito.» («Cartões de crédito são aceites.»)

d) «Vendem-se casas.» («Casas são vendidas.»)

3. Ambiguidade entre se nominativo e se passivo.

Quando estamos perante um verbo transitivo direto que se encontra no singular e a expressão nominal se encontra também no singular:

e) «Paga-se a conta, e seguimos viagem.»

f) «Vende-se um T4 neste condomínio.»

Nos exemplos e) e f), podemos interpretar o se quer como nominativo, quer como passivo.

Como nominativo, ele próprio constitui o sujeito da frase, sendo substituível pelo pronome alguém:

g) «Alguém paga a conta, e seguimos viagem.»

h) «Alguém vende um T4 neste condomínio.»

Como passivo, estamos perante construções passivas, em que o sujeito é o constituinte nominal e o se o complemento da passiva:

i) «A conta é paga, e seguimos viagem.»

j) «Um T4 é vendido neste condomínio.»

Nota: Sobre este assunto, pode consultar as seguintes respostas: Uso pessoal e impessoal do verbo dever; A função do se na frase «Um ruído se fez ouvir. Confrontar, nas Controvérsias, os textos sobre Função sintática de «se»: sujeito e/ou complemento agente da passiva?  

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa