O que se pretendia dizer é que, pelo facto de não estar dicionarizada, pode ser complicado fundamentar qualquer intuição acerca da palavra egrégora. Tal não significa, porém, que ela não tenha género (isso em português seria impossível), esteja mal formada, seja usada incorrectamente ou não deva ser usada...
A verdade é que concordo com o consulente, quando diz: «Parece-nos igualmente estulta a afirmação de "não aparecendo atestada em nenhum dicionário, torna-se impossível fixar o género desta palavra".». De facto, não é o dicionário o responsável pela fixação do género dos nomes ou por qualquer outro aspecto gramatical. Por muito que custe a alguns (ou muitos), se alguém pergunta alguma coisa sobre esta palavra, é porque alguém, em alguma ocasião, a usou enquanto falava português e ela existe na língua portuguesa. E, tendo-a alguém usado, usou-a ou graças ao seu mecanismo inato (outro conceito discutível...) para aglutinar segmentos sonoros e morfológicos, seguidamente criar palavras, depois sintagmas, depois frases e por aí fora. Ou – outra situação possível – porque a palavra foi importada de uma outra língua, sem ter sido necessariamente fixada num dicionário. Não nos podemos esquecer – e sobretudo um linguista não deve esquecer – de que a Língua, a linguagem, é um sistema com uma lógica interna que ainda não foi totalmente desvendada e que, portanto, vai seguramente mais além do que aquilo que a gramática e os dicionários querem postular (não desfazendo nesses magníficos instrumentos de elucidação!). Porém, sendo linguista, não me posso esquecer de que sou também consultora do Ciberdúvidas e, enquanto tal, pedem-me que ajuíze sobre determinados aspectos da Língua, o que tento fazer apoiando-me no meu conhecimento e no que considero mais credível. Nesse sentido, é necessário, por vezes, não tornar ainda mais polémico o que só por si já causa tantas "escaramuças".
A linguagem (e toda a área da cognição) é muito complexa e é preciso alguém que a tente simplificar. É aí que entram os dicionários, as gramáticas, os prontuários, as enciclopédias, a Internet, os conselhos dos colegas, enfim, todos os instrumentos que nos podem ajudar a «arrumar as ideias» e a sistematizar o conhecimento sobre o funcionamento do Português (neste caso).
Acresce a toda esta variabilidade o facto de em Portugal não existir nenhuma entidade normativizadora (no pleno sentido da palavra, isto é, entidade com capacidade legal para tomar determinações vinculativas, relativamente ao uso da língua), como existe em Espanha a Real Academia Española e como, especificamente na Catalunha, existe o Institut d'Estudis Catalans (para a língua geral) ou o TermCat (para a fixação de terminologias científicas e técnicas).
Em Portugal, existe, porém, uma entidade com autoridade para fixar termos de especialidade: trata-se do Instituto Português da Qualidade, cujas propostas de normalização terminológica raramente são editadas em "Diário da República" e, mesmo quando editadas neste órgão oficial, não têm carácter vinculativo (isto é, nada acontece em termos legais às pessoas ou organismos que as não cumprem).
Mas vamos novamente à razão por que aqui estou: «egrégora» aparece, de facto, um número razoável de vezes em sítios da Internet, quase sempre na forma feminina (o que é explicável por regularização analógica, isto é, pelo facto de a palavra terminar em "-a"). Pode eventualmente acontecer, se a frequência do seu uso assim o determinar, que, por esta razão, dentro de algum tempo, acabe por se incluir este vocábulo em algum dicionário mais "contemporâneo", inserindo-o no género feminino. Porém, tratando-se, aparentemente, de um termo com elevado índice de especialidade de uma área determinada (esoterismo, religião), também é possível que nunca venha a ser inserido num dicionário geral de língua, mas, eventualmente num dicionário especializado. Mas, até lá, o que me garante tal facto? E se, como personagem (cf. Personagem: masculino ou feminino?), a palavra sofrer uma evolução para outro género ou vier a alternar entre um género e outro?
De facto, os dicionários que temos são, acima de tudo, descritivos (pretendem descrever os usos que efectivamente fazemos das palavras) e, como já afirmei, não são normativos, embora os cidadãos, por hábito, por tradição, por facilidade, por confiança nos lexicógrafos, os usem como tal. É por isso que os dicionários registam formas consideradas menos correctas, palavras do calão, palavras que denotam preconceitos raciais, sexuais, etc.
O mesmo acontece com certas palavras que algumas pessoas não percebem como, essas sim, podem estar dicionarizadas, se são consideradas formas incorrectas de outras mais correctas...
O que importa, para terminar, é alertar para duas realidades: se, por um lado, sabemos que a linguagem e a Língua (Portuguesa e todas!) são dotadas de uma criatividade imensa, por outro, não podemos menosprezar a importância de tudo quanto nos ajude a compreendê-la o melhor possível.