«Ainda existe um fio de esperança para a recuperação deste património imaterial da nossa cidade, com a implementação nas escolas da aprendizagem da língua portuguesa como segunda língua estrangeira e, neste mesmo ano, com uma secção bilíngue na escola pública Francisco Ortiz, do ensino básico.»
Qualquer pessoa que conheça esta branca localidade da Estremadura [Espanhola], a 24 quilómetros de Badajoz, sabe do seu passado português. A sua arquitectura, as suas ruas empedradas com calçada branca com desenhos a negro ou os azulejos das capelas são um verdadeiro reflexo do seu passado português. Mas existe outra característica invisível que faz com que qualquer pessoa reconheça esse passado. O sotaque peculiar da maioria dos seus vizinhos. É um sotaque cantado, muito pronunciado e salpicado de palavras que um espanhol de outras partes do mundo não entende da primeira vez que as ouve.
É a herança do português oliventino, uma língua da região que está prestes a desaparecer.
Percorrendo a nossa história podemos intuir as razões desta perda, que sem dúvida começa pelo descumprimento de um dos artigos da capitulação da praça, após a breve guerra que levou à aquisição deste território pela coroa espanhola.
Manuel Godoy, como generalíssimo de todos os exércitos, decide lançar a campanha contra os vizinhos por este concelho, sobre o qual, sem dúvida, tinha proposto como objectivo de conquista antes de entrar em combate e sobre o qual deveria ter tido bastantes informações.
Terras portuguesas na parte de trás de uma cidade como Badajoz, fértil e rica em gado, em que o contrabando com as cidades espanholas vizinhas era difícil de erradicar, devido à ausência de barreiras naturais, já que está localizada numa planície, e a insuficiente guarnição militar que a protegia eram razões suficientes para tal eleição. Essas observações são recolhidas nas cartas que o próprio Godoy envia ao rei Carlos IV com o relato da guerra e que são publicadas na compilação da Gazeta de Madrid da época.
Desviei-me do tema principal mas foi de propósito. A leitura de todos esses documentos e outros sobre os acontecimentos posteriores das negociações de paz e a obstinação de Godoy em manter a praça «como uma conquista, para uni-la perpetuamente aos seus domínios e vassalos» dá razão para pensar em um plano premeditado de espanholização da área.
Voltando à capitulação da praça. Quando, a 20 de Maio de 1801, o Marquês de Castelar se apresentou com sua divisão em Olivença, onde o governador da praça, Julio César Augusto de Chermont, vendo-se incapaz da defesa e para evitar males maiores, acabou por se render ainda antes de começar as hostilidades.
Para a entrega da praça, Castelar e Chermont negoceiam o documento de capitulação, no qual aparecem por um lado as propostas dos rendidos e, por outro, as concessões do vencedor. Normalmente esses documentos de natureza militar materializam-se após a captura de uma fortaleza, como foi o caso, e tratam de questões estritamente militares, como as honras com que as tropas derrotadas, as condições para fazer prisioneiros, a manutenção ou a desmontagem da praça.
Mas este é um caso curioso, pois sendo uma praça com muitos habitantes civis, o seu governador buscava o bem-estar dos vizinhos, apoiando a rendição pacífica da praça, para evitar baixas civis, e até capitulação. Assim, propõe que apareça neste documento um artigo muito importante para a população local:
«5.º Todos os habitantes serão mantidos com todos os direitos e privilégios. Todos os que quiserem sair da praça podem fazer livremente, vendendo e servindo-se dos seus bens.»
Esta proposição foi aceite, sem qualquer rectificação, pelo vencedor Castelar.
Sem dúvida, estes extremos não foram incluídos no Tratado de Paz de Badajoz, que colocou fim à guerra, a 6 de Junho de 1801.
Os habitantes locais poderiam, por tanto, continuar com a sua língua, usos, pesos, medidas e impostos.
Só que Godoy não devia pensar o mesmo. Pouco depois da assinatura deste tratado, a 18 de Setembro, ordena que nesta localidade se proíba o ensino da língua de Camões, segundo o que pode ser visto em várias passagens dos livros de acta do Ayuntamiento.
A população e os representantes do Ayuntamiento, conhecedores deste pacto, resistiram a estas medidas e ainda em 1805 existia o ensino público do português.
Nesse ano, as autoridades tiveram que terminar o ensino na escola pública devido a ordens recebidas de instâncias superiores. Sem dúvida, continuaram a existir professores locais que particularmente continuaram com o seu labor educativo ensinando o português, e até a proibição total, que chegou em 1813, persistiu mais uns anos até que em 1820 decretaram-se multas muito severas aos professores privados de língua portuguesa.
Destas proibições e sanções derivaram algumas consequências, como a emigração dos professores portugueses e a incorporação progressiva de docentes provenientes de outras regiões espanholas.
Por muitas normas e proibições, a realidade daquela época era a falta de meios e professores, para além da falta de obrigatoriedade da escolarização. Os efeitos destas medidas levaram a perda da língua portuguesa nas gerações seguintes.
O analfabetismo da maioria da população era complementado pela tradição oral, pelo que o português continuou a ser usado na família, no trabalho, enfim, na maioria dos actos do quotidiano.
Claro, este era um português que se foi misturando aos poucos com o espanhol cada vez mais usado, chegando praticamente aos nossos dias de tal forma que grande parte dos octogenários ainda o falam entre si, e muito particularmente em algumas das aldeias e na cidade vizinha de Táliga, que antigamente também era uma vila de Olivença.
O início do declínio do português oliventino ocorre durante o período da ditadura de Franco, com a generalização da escola dada apenas em espanhol, o que fez com que as gerações posteriores aos anos 50 perdessem o hábito de falar e aprender em português, o que era considerado pela sociedade da época algo de analfabetos e pobres.
Ainda existe um fio de esperança para a recuperação deste património imaterial da nossa cidade, com a implementação nas escolas da aprendizagem da língua portuguesa como segunda língua estrangeira e, neste mesmo ano, com uma secção bilíngue na escola pública Francisco Ortiz, do ensino básico.
Embora eu tenha muito medo de que o que nossos filhos aprenderam não pareça a bela língua que tão ouço falar ao meu avô.
Artigo publicado no sitio eletrónico El Trapezio no dia 18 de outubro de 2020. Segue a norma ortográfica de 1945.